sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Polícia para quem precisa


Nesta última quarta-feira, 12/12, através do grupo Avante, organizamos  na Faculdade de Educação Física da UnB um encontro com a professora Heloisa Reis, da Unicamp.

Heloisa foi recentemente nomeada pelo Ministério do Esporte para compor a Comissão Especial de Estudos encarregada de apresentar projeto de regulamentação do Estatuto do Torcedor. Assim, aproveitando um espaço em sua agenda de trabalho aqui em Brasília, tratamos de convidá-la para um debate sobre o tema  "Esporte e violência: experiência internacional e os preparativos para a Copa de 2014 e Jogos Rio 2016". 

Vale lembrar que a segurança - e, por conseguinte, a violência - é um dos temas mais delicados na organização de megaeventos esportivos. Por isso, a oportunidade deste debate foi bastante significativa para nós, considerando que alguns colegas de nosso grupo de pesquisa têm dedicado seus estudos de IC, mestrado e doutorado ao tema.

A convite da Loughborough University, a professora Heloisa Reis integrou uma pesquisa sobre o trabalho do policiamento durante os Jogos de Londres 2012. 

Neste cenário, é importante destacar que o Parque Olímpico de Londres foi construído em Stratford, na East London, uma das regiões mais pobres da capital britânica, habitada principalmente por imigrantes. E esta situação vem de longa data...

O leste de Londres recebe ondas de imigração desde o século XVII e foi chão para os estudos de Engels sobre o mundo urbano miserável produzido pelo capitalismo. Em A situação da classe operária na Inglaterra, escrito em 1845, o parceiro intelectual de Marx já denunciava o modo de vida degradante a que estava sujeita a classe trabalhadora nos grandes centros industriais da Grã-Bretanha.

A região foi também um dos principais palcos dos protestos e confrontos que abalaram a Inglaterra em agosto de 2011, um ano antes dos Jogos. O estopim foi a morte de Mark Duggan, um jovem negro de 29 anos vítima da violência policial. Os protestos duraram dias, envolvendo várias regiões de Londres e se espalhando por outras cidades inglesas. Lojas foram saqueadas, prédios incendiados, mais de mil pessoas foram presas e cinco foram mortas.

É importante resgatar esta história porque a segurança passou a ser um ponto de honra para os organizadores dos Jogos e para a própria polícia inglesa. Isto pôde ser constatado por Heloisa e pelos pesquisadores da Loughborough University.

Análises dão conta de que Londres 2012 foi a Olimpíada do Medo. 48 mil policiais e 13,5 mil soldados foram mobilizados, além da instalação de câmaras de vigilância por toda cidade e um verdadeiro aparato de guerra colocado de prontidão, tudo sob o pretexto de cuidar da segurança. Ocorre que a definição das questões de segurança incluiu desde o terrorismo até protestos pacíficos, ações sindicais, camelôs vendendo produtos nas ruas, ou seja, o banimento de qualquer presença corporativa estranha à marca olímpica.

Tudo isto foi observado, descrito e analisado por Heloisa. E sua exposição ainda colocou em relevo três situações.
  1. A criminalização da juventude pobre e negra, pois foi esta a parcela da população o principal alvo da atenção e das abordagens policiais;
  2. O toque de recolher, o que se deu a partir da criação de zonas de dispersão com o intuito de facilitar abordagens e a remoção de pessoas socialmente indesejadas nos arredores do Parque Olímpico;
  3. As duas faces da polícia, a polícia comunitária, amigável e receptível aos turistas, e a polícia ostensiva, truculenta e hostil com os indesejados. 
Já sobre os preparativos de segurança envolvendo a organização da Copa de 2014 e dos Jogos Rio 2016 ela avalia que as coisas não vão bem. Não há integração das polícias e informação sobre realização de treinamentos ou padronização das condutas prometidas pelo Ministério da Justiça. Isto sem falar do distanciamento da universidade. Temos inúmeras pesquisas sobre policiamento e segurança em espetáculos esportivos e é tudo ignorado pelo poder público, lamenta a pesquisadora.

Outro assunto que apareceu durante o debate foi a violência no futebol, dada a experiência de pesquisa que Heloisa tem também sobre este tema.

E como o dia era de jogo do Corinthians versus o Al Ahly do Egito disputando vaga na final do Campeonato Mundial de Clubes da Fifa, a piada do mometo era a de que São Paulo estava mais segura porque os manos da fiel tinham ido ao Japão acompanhar o timão.

Heloisa tratou de desmitificar a relação que normalmente se faz entre torcidas organizadas e violência nos estádios. A partir de uma pesquisa que realizou, descobriu que o associativismo organizado em torno das torcidas, em grande parte, se dá entre jovens com bom nível educacional e de famílias estruturadas. A violência no futebol existe, mas não é exclusiva das torcidas. Está presente no espetáculo esportivo como um todo. É preciso colocar freio à criminalização das torcidas organizadas, advertiu.
 
O torcedor organizado não é bandido. Ele trabalha (a média de desemprego nas torcidas é de 2,8%, em comparação com os 8,1% da média brasileira), mora com os pais (86,8%) e tem um significativo grau de instrução (80,8% possui de 10 a 12 anos de escolaridade). 
Para saber mais, ver: REIS, Heloisa. Futebol e violência. Campinas: Autores Associados, 2006. 

Em nome do Avante, fica o meu agradecimento a Heloisa por sua disponibilidade e contribuição.

Obrigado!

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