segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Adeus ao lazer


Passado o carnaval, muita gente já se apressou em conferir no calendário quando será o próximo feriado, todo ano é assim. 

Em 2012, o empresariado reclamou bastante do excesso de tempo livre. Alegaram que, só no setor da indústria, o prejuízo causado pelos feriados foi de R$ 44,9 bilhões, uma perda 21% maior do que a registrada em 2011. O problema, dizem, é que a paralisação do trabalho é maior do que deveria porque muitos feriados ocorrem às terças e quintas, gerando enforcamento ou emenda, os chamados feriadões. 

A má notícia para nós é que neste ano não vão ter do que reclamar, pois quase não vai ter feriadão

O sociólogo francês Joffre Dumazedier, um estudioso do lazer, fala em diferentes tipos de tempo livre: o tempo livre do fim do dia, o tempo livre do fim de semana, o tempo livre do fim do ano e o tempo livre do fim da vida. Estamos falando, em verdade, é da jornada de trabalho regulamentada, do descanso semanal, do direito a férias remuneradas e do direito a aposentadoria.

Vale alertar que todos estes direitos são frequentemente questionados no Congresso. Empresários e sindicatos patronais sempre reclamam dos prejuízos que o tempo livre traz aos cofres públicos e à economia do país.

A regulamentação e limitação da jornada envolve uma peleja histórica e vem sendo o pivô de uma das mais importantes lutas travadas no mundo do trabalho. Está em pauta desde os primeiros movimentos socialistas do século XVIII. Foi reivindicada por Marx e Engels no Manifesto Comunista de 1848 e figurou como a principal bandeira da Associação Internacional de Trabalhadores, a Primeira Internacional Socialista fundada em 1864. 

Isto sem falar do clássico Direito à Preguiça, de Paul Lafargue, um panfleto visceral publicado em 1880 que os socialistas franceses fizeram circular contra a disciplina produtiva e o dogma do trabalho difundidos pela moral burguesa. 

O próprio Dia do Trabalho relembra a manifestação de 1º de maio de 1886 pela jornada de trabalho de oito horas em Chicago, quando centenas de trabalhadores foram executados nas ruas da cidade.

No Brasil, o tema da redução da jornada faz parte da luta sindical desde o início da industrialização do país, na vidada do século XIX para o século XX. Mas a jornada máxima de 8 horas diárias, efetivamente, só veio em 1943, com a instituição da CLT, a Consolidação das Leis de Trabalho . De lá para cá, ganhamos mais 4 horas de tempo livre no sábado a tarde, quando a Constituiçaõ de 1988 abaixou o limite da jornada semanal de 48 para 44 horas. 

Agora a campanha é outra, reduz pra 40 que o Brasil aumenta! 

O que desejo colocar em destaque é que não há lazer se não existir tempo livre. E também a prática do esporte será sempre limitada a um espaço ou equipamento, cada vez mais privatizados, e a um tempo. Isto quer dizer que para aqueles que não são atletas profissionais, o tempo livre constitui pressuposto básico para se vivenciar o esporte.   

Nesse sentido, é preciso reivindicar mais tempo livre, e sob a perspectiva de uma nova economia do tempo, buscar sua ampliação não só em termos de crescimento e desenvolvimento econômico, mas é preciso pensar também naquilo que nele se poderá vivenciar no sentido do pleno desenvolvimento humano - a educação, a arte, o esporte, o lazer, o ócio etc.

Vejamos um exemplo desta controvérsia...

Desde o início deste mês de fevereiro, o Banco do Brasil está reduzindo a jornada de trabalho dos seus funcionários. Isto significa que os bancários do BB vão ter mais tempo livre. O problema é que tal medida está subordinada ao interesse do banco em melhorar seu desempenho contábil e a redução da jornada, que passará de oito horas diárias para seis, acarretará uma perda de 16% na remuneração mensal dos trabalhadores.

“Com a evolução tecnológica é preciso menos o back office (departamentos que atendem o público interno), e o BB é inflado disso. Eles estão adequando quadro funcional para esse novo ambiente de tecnologia”, diz um consultor do banco.

Marx, a partir de sua teoria do valor, consignada no famoso O Capital, diria que isto é uma recombinação entre mais valia absoluta e mais valia relativa, ou seja, entre o tempo total de trabalho e sua intensidade. O resultado é que, além de aumentar a lucratividade do banco, o trabalhador vai produzir mais em menos tempo. Sim, os bancários terão mais tempo livre, mas o que conseguirão fazer com ele já são outros quinhentos.

Ocorre que o menor tempo de trabalho deveria vir acompanhado de melhoria dos rendimentos, além de uma política pela conformação de uma nova cultura do tempo livre, uma política alternativa ao lazer consumista tão comum nos dias atuais. 

Voltando ao caso do BB, vale lembrar que, nos últimos anos, o banco vem investindo pesado no marketing esportivo, tudo para renovar sua imagem. A estratégia deu certo, pois o banco já é detentor de uma das marcas mais valiosas do país. Os valores dos seus contratos de patrocínio são sigilosos, mas a estimativa é de de que o Banco do Brasil vai investir R$ 60 milhões anuais no volei e no futsal. Pois é... dá com uma mão e tira com outra.

O Plano de Conquista do Público Jovem deixou claro que o esporte era a saída mais fácil para o banco chegar aos jovens. Mas o BB que explora a imagem do esporte, da saúde e da juventude é o mesmo banco que tem provocado o adoecimento psíquico dos bancários, é o que afirmam estudiosos e sindicalistas. 

Uma bancária conta sobre o dia a dia dentro do banco:

“Só para desabafar: uma vez bancário, bancário para a vida toda. Fico observando o quanto são pessoas repreendidas e reprimidas, do quanto se abstêm da sua qualidade de vida. Verdadeiras máquinas ambulantes. Horas e horas, dias e dias, anos e anos de tensão intensa tentando satisfazer o insaciável. Luta sem fim, busca do irrealizável, do impossível. Penso que seja por isso ser tão difícil nos libertarmos, pois continuamos sempre na busca do que só existe em um sonho: um bancário realizado”.
  
Pela redução na jornada de trabalho, sem redução de salários e direitos!

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

A torcida que samba


O horário oficial do Brasil, de amanhã até quarta-feira próxima, escapa ao controle de Brasília.  

Às 22 hs, o Baile Oficial da Cidade do Rio de Janeiro abre do carnaval carioca. Já a abertura oficial do carnaval de Salvador, será um pouco antes, às 20 hs, com a entrega da chave da cidade ao Rei Momo. 

Para o antropólogo Roberto Da Matta, o carnaval põe o Brasil de ponta-cabeça. Destitui o rígido e o fixo, permitindo a fantasia que inventa e reinventa identidades. Mas se o carnaval, como a versão do avesso, ajuda a explicar o que faz do Brasil o Brasil, o que será possível dizer do carnaval de São Paulo?

Entre bailes, festas, blocos e escolas, muita folia acontece por lá...  e junto com o Rio e Salvador, a paulicéiaconquistou seu espaço na TV.

Por falar em televisão, a Gaviões da Fiel, que desfilará no sábado, 9/2, trará para avenida este ano um sugestivo samba-enredo, Ser Fiel é a alma do negócio, contando a história da propaganda.

A torcida que samba, que é como se auto-denomina a escola, pretende mostrar os meios pelo qual a propaganda é feita, o radio, a televisão e o jornal, homenageando alguns de seus personagens e lembrando episódios aos quais a propaganda esteve ligada. Mas o desfile terá também o seu lado brincalhão e irreverente, é o que promete Max Lopes, o carnavalesco tetracampeão carioca que a Gaviões importou na tentativa de conquistar seu 5º título no Grupo Especial de São Paulo.  

"Também vamos falar da propaganda enganosa, que é o silicone, o pai de santo, que promete o amor verdadeiro em três dias, o político em pele de cordeiro, que sempre diz que vai melhorar a saúde e a educação do país. ...Mostraremos para o povo que a propaganda realmente é a alma do negócio", disse ele.

Carnavalesco e antropólogo estão de acordo. A versão do avesso, o lado brincalhão e irreverente, muito diz do que é identitário da propaganda. Parece irônico, mas o samba-enredo que conta e canta a alma do negócio foi idealizado, justamente, no ano em que o timão arrebentou a boca do balão, tanto em títulos como em cifras.

Segundo um estudo da consultoria Deloitte, o Corinthians, além de ser o clube mais rico do Brasil, é o não-europeu que mais fatura, ocupando a 31ª posição no ranking mundial. Arrecadou 94,1 milhões de euros - cerca de R$ 255 milhões em 2011. No ano passado, dados atualizados da Mazars-Lancenet, dão conta que o faturamento aumentou para pouco mais de R$ 290 milhões.

Por parte da direção do clube, a ordem é ficar no topo, é o que registra o Blog do Janca

Fecharam um contrato com a Nike que vai render R$ 30 milhões até 2022.  A multinacional da indústria do esporte prepara uma campanha publicitária para faturar em cima da conquista no Japão

Outro foco é explorar o Itaquerão através do “naming rights”, o que envolve a negociação em torno da venda do direito de nomear a arena. A empresa que desejar rebatizar o Itaquerão com seu nome, vai ter de desembolsar pelo menos R$ 350 milhões.


Por sua vez, o programa Fiel-Torcedor também deve ser ampliado. A meta é a sua internacionalização. E a diretoria do clube tem um plano de marketing ainda mais ousado. Está nas últimas tratativas para criar um cemitério exclusivo para corintianos. Se eu sou Flamengo até morrer, os manos vão para o além... querem se vangloriar por serem fiéis até depois da morte. 

No âmbito da propaganda política, o clube também não se cansa de usar a imagem e a influência de Lula. Representado por Andrés Sanchez, esteve ao lado de Dilma e apoiou Haddad. O resultado? A Caixa diz que não, mas os rumores de interferência do ex-presidente são fortes no fechamento do patrocínio de 31 milhões que vão ser pagos ao clube em 2013. Será o maior patrocínio de camisas do futebol brasileiro.

E a última vem do Blog do Cruz, informando que o Ministério do Esporte, através da Lei de Incentivo, aprovou um projeto de R$ 28,9 milhões do clube para a implementação de um Centro de Excelência e Treinamento de Futebol.

Fui checar a página da Lei de Incentivo, que é uma uma excelente fonte para pesquisas sobre as políticas de esporte e lazer, em especial, sobre o financiamento do esporte. Os valores aprovados chegaram, em verdade, na casa dos R$ 40 milhões.

Mas o Cruz está absolutamente certo ao dizer:

"Na prática, os clubes que usam esse dinheiro formam jogadores de alto rendimento, que mais tarde são vendidos, inclusive para o exterior. A renda desse comércio é dividida entre o cofre do clube e o bolso dos empresários. E se caracteriza o Estado financiador de atividade privada..."

Pode até ser que o clube não consiga captar os recursos, mas isso é pouco provável. A sua diretoria demonstra ter total conhecimento dos meandros da política e segredos da propaganda. Enquanto o publicitário  Washington Olivetto será o principal homenageado na avenida pela torcida que samba, a diretoria do clube sabe muito bem que... ser Fiel é a alma do negócio.

É carnaval,
Corre vem ver, tô na tela da TV!