sexta-feira, 16 de agosto de 2013

A cor do elefante


Nesta última terça, 13/8, o ministro do Esporte participou de uma audiência pública no Senado e aproveitou a oportunidade dada pela Subcomissão Permanente da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016 para rebater as críticas de gastos excessivos e subutilização das arenas construídas para o Mundial.

"Os estádios construídos para a realização da Copa do Mundo de 2014 não são elefantes brancos, mas sim elefantes de ouro", afirmou Aldo Rebelo.

Em nossa língua, diz o dicionário que dourar a pílula significa apresentar algo difícil ou desagradável como uma coisa mais suave e mais fácil de aceitar. Trata-se de uma figura de linguagem que nasceu de uma prática das farmácias antigas em embrulhar pílulas em finos papéis, com o fim de preparar psicologicamente o paciente para engolir um remédio amargo. Na língua inglesa, utiliza-se a expressão gold plating, cuja tradução literal é revestir de ouro, nada mais apropriado. 

Bom, vai aí a receita para se dourar um elefante... (ligue o som e vamos juntos no passo do elefantinho).

***

1. Monte um palco sem espaço para o contraditório: A audiência pública no Senado mais parece ter sido uma ação entre amigos - digo, uma ação entre governistas - para dar voz ao ministro e pautar suas declarações junto à mídia.

2. Exalte os aspectos positivos de algo ruim: Para o ministro, os gastos públicos com a construção das arenas são indiretos - não são oriundos do orçamento, mas de renúncia fiscal e empréstimos do BNDES - e atendem o interesse público, uma vez que estão gerando emprego e diversas oportunidades para o país. E , segundo ele, o aumento do público e da renda nas arenas já é prova de que tudo vai bem.  

3. Apresente argumentos de autoridade: Para sustentar que os gastos com a Copa se justificam, nada melhor do que citar alguns dados. 3,6 milhões de empregos vão ser criados e, para cada real investido pelo setor público, outros R$ 3,4 serão investidos pelo setor privado, atesta o estudo feito sob encomenda do seu ministério pela empresa de consultoria norte-americana Ernest Young e Fundação Getúlio Vargas.

4. Crie uma frase de efeito e amplifique-a: Digite em qualquer site de busca a frase Novos estádios são elefantes de ouro para ver o quão a fala do ministro repercutiu na mídia, manchete em vários jornais, reproduzindo quase que literalmente as matérias chapa-branca da Agência do Senado e Portal da Copa.

5. Desqualifique os críticos: Para o ministro, os críticos da Copa são de três tipos, os que não gostam de futebol, os pessimistas que não acreditam na capacidade do país e os que não gostam da FIFA e da CBF. A Copa é uma oportunidade de exibirmos nossas virtudes, capacidades e inteligência, não dêem ouvidos aos críticos, é assim que se pronunciou.   

6. Minimize os problemas e mostre-se sensível a sua solução: Em resposta a um dos senadores sobre como possibilitar que os pobres possam ir aos estádios durante a Copa, o ministro colocou a culpa na FIFA e disse que já tem solução. 50 mil ingressos serão distribuídos gratuitamente à população de baixa renda, principalmente aos índios.

***

"Eu acho que se o futebol perder esse vínculo, esse laço, essa identidade [com os pobres], ele perde muito da sua fantasia e do seu encanto", arrematou.

(pode desligar o som)

Se o ministro estivesse no primeiro Fla x Flu do novo Maracanã, veria que as imagens memóráveis do mágico, público e popular estádio desapareceram - já havia falado disso em O maracanã é deles! O público de 38.715 torcedores presentes - menos que a metade da capacidade para 78.838 torcedores - esteve longe de produzir qualquer tipo de fantasia ou encanto, jogo com cara de campeonato europeu.

Sobre o Maracanã, diante do recente recuo do governador Sérgio Cabral ante o projeto de demolição do Célio de Barros, do Júlio Delamare, do Museu do Índio e da Escola Friendenreich, o enrosco agora é como recompensar o consórcio Maracanã S.A. Ontem mesmo saiu a notícia de que estudam a doação de um novo terreno para a construção de cinemas e casa de shows para manter o estádio. Este é um tema de que voltarei a falar.

Mas vejamos o caso de Brasília, onde o Estádio Nacional Mané Garrincha é apontado como um dos candidatos a elefante branco.

Estive lá no dia 4/8 e sai feliz, vi a vitória do Flamengo por 3x0 sobre o Galo. Mas a fala de um amigo me chamou atenção: "Para uma cadeira que custou mais de 16 mil reais e eu só tive de pagar R$ 90,00, tá bom demais, saí no lucro", brincou.

O custo por assento da Copa no Brasil é o mais caro até hoje, ficou 10% acima do observado na Copa da África do Sul, 14% superior ao da Copa de Japão e Coréia do Sul e 40% maior que na Alemanha. Até agora, foram gastos R$ 7,3 bilhões com a construção dos estádios brasileiros. O Estádio Nacional é o mais caro deles, erguido ao custo de R$, 1,2 bilhões, com capacidade para 70.788 torcedores.

Desde a inauguração, em 15/6, num jogo entre Brasília x Brasiliense pela final do Candangão que salvou a média de público da temporada - o preço simbólico de R$ 1,00 garantiu a presença de 22 mil pessoas -, o estádio abrigou outros 7 jogos, o Brasil x Japão da abertura da Copas das Confederações e outras 6 partidas do Brasileiro.

A primeira partida, Flamengo x Santos, com 63.501 pagantes, bateu recorde de arrecadação, R$ 6,9 milhões e o GDF, dono do estádio, ficou apenas com R$ 4 mil. Depois disso, fixaram novas regras para uso do estádio, mas no último jogo, Botafogo x Goiás, no dia 10/8, o número de pagantes caiu para 23.322.

Três dias antes, 7/8, teve outro jogo do Flamengo, contra a Portuguesa. Foram 12.511 pagantes e o menor público registrado no estádio. Ainda assim, o jogo produziu a maior renda da rodada do Brasileiro, R$ 694.060,00. Desta vez o GDF ficou com 13% da arrecadação, R$ 90.227,80.

De todo modo, a avaliação de especialistas do mercado do futebol - argumento de autoridade - é que a disputa por jogos de maior torcida deve se acirrar nos próximos anos. A expectativa é que a média de renda registrada em Brasília não se sustente, por isso apostam no conceito de uma arena multiuso, com outros tipos de evento.

Nesse sentido, o ministro pode até estar certo quanto a cor do elefante, mas o GDF, assim como o governo do Rio, já prepara a privatização do Mané Garrincha. Se vai conseguir, isto depende do cenário pós-Copa, quando possíveis interessados poderão melhor aferir o potencial e a rentabilidade do negócio.

A questão central, portanto, não é se o elefante é ou não dourado, e sim quem fica com o ouro.

O Consórcio Brasília 2014 - reunindo a VIA Engenharia e a Andrade Gutierrez -, assim como o Consórcio Maracanã Rio 2014, sob o ponto de vista da valorização de capital, já fizeram mais dinheiro. Não interessa a subutilização das arenas. Cortada a faixa de inauguração do Mané e do Maracanã, garantiram o seu dourado quinhão.

Enfim, a Copa até poderia representar uma boa oportunidade para a realização de investimentos voltados à redução de desigualdades e melhoria das condições de vida da população brasileira, mas, no oposto, tem privilegiado o grande capital e legitimado a violação de direitos em nome da modernização e desenvolvimento do país. 

Não a privatização do Mané!  Pela anulação da privatização do Maracanã! 
Sim ao direito à cidade, ao esporte, ao futebol!
Por estádios públicos e populares!

10 comentários:

  1. Fernando, continuo com a minha campanha mais modesta do que a do Ministro - e sentimental - para o batismo do estádio: Elefante Solitário do Planalto.
    Também estou em busca de algum economista que tope fazer uma planilha de timing de custo-benefício, pra determinar qual é o melhor momento para o estádio ser implodido.

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    1. Opa Laercio, a segunda onda vem por aí, o ministro que se cuide, vc e os black blocs estão com o elefante na mira... Abç, Fernando

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  2. Parabens pelo texto prof. Sempre aprendendo com vc!

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    1. Oi Dennia, valeu professora, bom saber q esta aí acompanhando o blog. Abç.

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  3. Ótimo texto, Fernando! Sempre aprendendo contigo!

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  4. Como é bom contar com meios de comunicação e informação alternativos. Conheci o blog não faz muito tempo, mas tem contribuído muito em minhas reflexões e na ampliação dos diálogos sobre as políticas de esporte e lazer para além da universidade.

    O Cabral começa a sentir a pressão advinda de vários setores e principalmente das ruas, a demolição de alguns espaços no complexo do Maracanão já foram suspensas. Caso...em uma perspectiva otimista demais, mas de toda forma possível...o contrato com o Eike seja revogado, teremos uma renovação das concessões a nível nacional.

    Pena que nossas mobilizações aqui em MG estão "devagar e quase parando"...baixamos nossas velas, mas ficamos a espreita de um vento que possa nos reanimar. Outro ponto entristecedor é ver que o Cruzeiro, time pelo qual ainda tento torcer, revela(o que já era esperado, vide as ações no mínimo estranhas de nosso ex-presidente e Senador Zezé Perrela) que, assim como outros clubes, está preocupado em entrar de vez no jogo da privatização, não fazendo qualquer esforço para mudar o conservadorismo do futebol.

    Pelo menos, a despeito de outros pontos estranhos que levaram o Galo a uma "recuperação" tão rápida no cenário nacional, o Kalil já demonstrou sua profunda insatisfação com a situação do consórcio, convocando a presidência do Cruzeiro a se opor a terceirização de um espaço "público": "O contrato que temos hoje é uma vergonha!"

    Só fico na dúvida se as coisas estão a favor das empresas administradoras...a média de público tem caído, a renda aparentemente se mantém ou tem até aumentado, como será que andam a venda de ppv? Será que, no conjunto de fatores, essas empresas começam a cogitar readequar seus contratos? Temos possibilidades e condições para evitar essa europeização do esporte???

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    1. Olá Izaú,

      Também descobri o blog não faz muito tempo, até agora, uma ferramenta que tenho avaliado como para lá de interessante. Sua repercussão tem me impressionado e, ao mesmo tempo, me desafiado... A cada novo comentário ou sugestão que recebo por aqui ou pessoalmente, percebo o quanto ainda podemos avançar com os espaços alternativos de comunicação e informação... vamos em frente!

      Quanto ao galo e ao cruzeiro, parece que o mineirão não é mais deles... E sobre as perguntas e questões q você levanta, vale investigar... problematizar e se mobilizar...

      Grde abç, Fernando

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  5. Parabéns, Fernando, pelo ótimo texto, que expressa com precisão a insatisfação de muitos brasileiros com os desdobramentos que vem sendo dados aos megaeventos no Brasil!

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    1. Olá Alfredo, fico feliz que esteja acompanhando o blog e que o esteja avaliando positivamente, afinal, é bom saber que o que os especialistas em mídia pensam... Obrigado!

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