A Copa das Confederações da FIFA Brasil 2013 será conhecida como a Copa das Manifestações.
Os protestos de 11 e 13/6 organizados pelo Movimento Passe Livre - MPL, em São Paulo, foram o estopim. Entre atos pacíficos e violentos, várias outras manifestações se seguiram, envolvendo também outras pautas, indivíduos e coletividades. Mas as mobilizações atingiram seu ápice no dia 20/6, quinta passada, quando mais 1 milhão de manifestantes saíram às ruas, nacionalizando definitivamente o movimento, com protestos em 388 cidades do país, incluindo 22 capitais.
Com a cara da juventude e da esquerda, inclusive bastante simpático e próximo às bandeiras partidárias, o MPL tinha e tem objetivos bem definidos: redução das tarifas
dos transportes, qualidade do serviço e o direito à mobilidade urbana.
No programa Roda Viva de 17/6, duas de suas lideranças foram entrevistadas. E durante o debate, o representante da Polícia Militar foi logo avisando: "Vocês começaram com uma canoa e tão aí com uma arca de Noé". Os jovens rebateram: "o que temos é um canoão". Para eles, um canoão ainda navegando na luta por transporte público mais barato e eficiente.
Confesso que minha impressão inicial do movimento foi como a de Antonio Prata, ou seja, não estava entendendo nada. As passeatas, de fato, já contavam naquela altura com a riqueza e diversidade de fauna de uma arca de Nóe.
"Tinha punk de moicano e playboy de mocassim. Patricinha de olho azul e rasta
de olho vermelho. Tinha uns barbudos do PCO exigindo que se reestatize o que
foi privatizado e engomados a la Tea Party sonhando com a privatização de todo
o resto. Tinha quem realmente se estrepa com esses 20 centavos e neguinho que
não rela a barriga numa catraca de ônibus desde os tempos da CMTC. (Neguinho,
no caso, era eu). Tinha a esperança de que este seja um momento importante na
história do país e a suspeita de que talvez o gás da indignação, nas próximas
semanas, vá para o vinagre", relatou o escritor.
Era como se o Facebook estivesse nas ruas, num mosaico de mensagens e reivindicações, dando forma a um movimento de pauta e liderança dispersas. Sobre este tema, li uma análise de colegas do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho da UnB, os professores Fábio Iglesias e Ronaldo Pilati, que ajuda entender o que aconteceu.
Ao repercutirem na internet através das redes sociais, as manifestações romperam com o que a psicologia social chama de espiral do silêncio. A incapacidade de saber o que se passa na cabeça dos outros, constitui um
inibidor poderoso do nosso comportamento. Não tem outro jeito de saber o que outro pensa senão olhando para o que ele faz.
"A ausência de reações visíveis
faz com que muitos pensem, erroneamente, que não haveria aprovação
social de sua queixa. Isso leva a um forte ciclo vicioso, que mantém a conformidade da maioria", explicam os professores.
Assim, o caráter de conexão em rede que esteve na base da estrutura de comunicação das manifestações permitiu a milhares de pessoas perceberem que sua insatisfação era
compartilhada, produzindo um efeito cascata de
rompimento do padrão conformista.
Ocorre que tal rompimento gera um comportamento anti-normativo, o que, em certa medida, explica o comportamento anti-sistema, anti-partido e anti-instituições que foi a marca do movimento.
Por outro lado, por mais que as manifestações tenham se revelado, por vezes, sem programa e sem rumo, não dá para dizer que foram e são de direita ou fascistas. Foram e são expressão de uma grande insatisfação social, notadamente, da juventude urbana.
Por outro lado, por mais que as manifestações tenham se revelado, por vezes, sem programa e sem rumo, não dá para dizer que foram e são de direita ou fascistas. Foram e são expressão de uma grande insatisfação social, notadamente, da juventude urbana.
Fica a lição de que os movimentos sociais independem de organizações e que podem ser espontâneos. A despeito da violência da PM e da tentativa de criminalização da mídia, a canoa não virou. Arca de Noé ou canoão, foi um movimento bonito de ser ver e de participar, algo sem precedentes em nossa história, desafiando a própria esquerda - em que eu mesmo me incluo - a se repensar para disputar corações e mentes, seja nas ruas ou nas urnas.
Outra análise para qual chamo atenção é do sociólogo da UFMG Leonardo Avritzer. Para ele, as políticas sociais do governo federal bateram no teto. Em outras palavras, não tem mais Bolsa Família e aumento do salário mínimo que dê jeito, uma vez que a chamada nova classe média estagnou. De todo modo, a integração de novos grupos sociais ao consumo gerou fortes problemas na infraestrutura.
"Aí aparece uma característica do atual governo que é preciso apontar: a
pouquíssima disposição para a negociação em questões econômicas e de
infraestrutura. Quando pensamos a concepção de construção de infraestrutura existente hoje no país, ela é completamente antissocial", aponta o sociólogo.
Isto quer dizer que para resolver os gargalos de infraestrutura, o Governo Dilma, até então, não tinha a mínima disposição para negociar.
A maneira como as cidades brasileiras estão construindo a infraestrutura
para a Copa de 2014 e os Jogos de 2016 constituem um exemplo bem claro disso, atropelando o direito à moradia, o direito à cidade, o direito ao esporte etc, bem como negando a possibilidade de participação e controle democrático nas decisões sobre a
destinação dos recursos e definição de prioridades.
Não por acaso, o tema dos gastos com a Copa figuraram entre as diversas pautas de reivindicação que estiveram na base das manifestações. Até então, eu acreditava que a luta em torno do tema ficaria restrita a setores politicamente organizados da sociedade, mas, ao contrário, mesmo que como pauta secundária diante da luta pelo passe livre, foi sim capaz de mobilizar a massa.
Em quase todos os jogos da Copa das Confederações vimos manifestações. E se o discurso produzido pela mídia em torno da criminalização das manifestações mudou, focando os "vândalos" e "baderneiros", para o movimento protagonizado pelos Comitês Populares da Copa o tratamento foi o mesmo, a repressão não aliviou.
Antes mesmo da ameaça da FIFA de cancelar o evento, o ministro do Esporte bradava: "o Governo não vai tolerar manifestações que tentem impedir jogos da Copa das Confederações".
Sob a ordem de proteger as zonas de exclusão definidas a partir da Lei Geral da Copa, as forças de segurança não trataram com fair play os protestos no entorno dos estádios. Teve confronto no Maracanã, no Mané Garrincha, no Mineirão, na Fonte Nova e no Castelão.
O resultado mais imediato de tudo isso é que o movimento emparedou os governos.
Reconhecendo a legitimidade das manifestações, a própria presidenta foi à TV propor um pacto pela melhoria dos serviços públicos e pela reforma política, além de justificar os gastos com a Copa e pedir trégua em relação ao tratamento com as seleções estrangeiras e pessoal da FIFA.
Para 2014, está em aberto como o Brasil se apresentará ao mundo: como um país atendo às necessidades e vontade de seu povo - especialmente, dos "de baixo" - ou como um país que perpetua a desigualdade e a exclusão.
Sim, a Copa do Mundo pode ser diferente, mas isto depende de uma disputa nas ruas, é o que defende a Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa - ANCOP. Dia 30 de junho tem Jornada de Lutas – Copa pra Quem?
Sim, a Copa do Mundo pode ser diferente, mas isto depende de uma disputa nas ruas, é o que defende a Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa - ANCOP. Dia 30 de junho tem Jornada de Lutas – Copa pra Quem?
Não à violação de direitos!
Sim ao direito à moradia, ao direito à cidade, ao direito ao esporte e à gestão democrática!
Pela redução da tarifa do transporte público, na luta por direitos para o povo e contra a repressão e exclusão social!
Sim ao direito à moradia, ao direito à cidade, ao direito ao esporte e à gestão democrática!
Pela redução da tarifa do transporte público, na luta por direitos para o povo e contra a repressão e exclusão social!
Uma das frases de ordem dos protestos com maior significado é o "padrão FIFA para a educação / saúde" desde que tem sido provado que é possível os governantes se ajustarem a modelos de gestão mais eficientes do que aqueles
ResponderExcluirque levantaram as ruas. Talvez esta frase se torne ate um dos poucos "legados" positivos da Copa 2014 no Brasil...
Olá Lamartine, é muito bom saber que vc tem acompanhado o blog.
ExcluirTodos sabemos que a população e as manifestações esperam e reivindicam melhoria nos serviços públicos, em especial da saúde e educação.
Acho que é isso que querem dizer com a bandeira "padrão FIFA para a educação / saúde", querem que nossa escolas e hospitais tenham a mesma cara da riqueza que deram aos nossos estádios. Isto porque bem identificam que em nosso país temos uma educação / saúde rica para os ricos e uma educação / saúde pobre para os pobres.
Agora bem sabemos que para que tenhamos uma educação / saúde rica PARA TODOS, não é o "padrão FIFA de gestão" que deve nos servir de referência, considerando sua vocação privatista e elitista. Em outros termos, a FIFA, uma entidade de histórico para lá de suspeitoso, rica e "ficha suja", está longe de ser boa professora de gestão.
Para mim, um bom padrão de gestão é aquele descentralizado, democrático e participativo.
Mas não deixo de concordar contigo, as manifestações deixam um bom "legado" para a Copa.
Abraço, Fernando.
Muito bom Mascarenhas!!
ResponderExcluirOpa David, valeu pela avaliação e incentivo.
ExcluirMuito bom é o movimento das ruas! Eu só tratei de fazer o registro...
Abraço, Fernando.
Gostei muito, estou ansioso para o aprofundar no Conbrace, viu a entrevista do Slavoj Zizek| ???
ResponderExcluirhttp://tvcultura.cmais.com.br/rodaviva/roda-viva-slavoj-zizek-08-07-2013
Abrsss
Opa Renato, todos ao Conbrace, é isso aí! E valeu pelo link da entrevista do Zizek, vou tratar de assistir. Ab, Fernando.
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