sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

O ouro olímpico

Nesta última terça, 15/1, ao abrir a edição 4645 do Jornal da Ciência - JC E-Mail, me chamou atenção o título de uma notícia, restrição ao uso da palavra "olimpíadas" causa espanto e indignação.

Antes mesmo de ler seu conteúdo, foi possível imaginar o que estava acontecendo... 

O COB questionou a Unicamp pelo suposto uso indevido da palavra "olimpíada" na organização da Olimpíada Nacional em História do Brasil.

Vale lembrar que já são organizadas várias olimpíadas científicas no país - matemática, ciências, língua portuguesa, química, astronomia etc, todas com abrangência nacional. Tais competições visam divulgar e estimular o interesse da juventude pelas atividades científicas, e estão totalmente integradas ao Sistema Nacional de CT&I, contando inclusive com editais de fomento da CAPES e CNPq para a sua realização. 

A reação, como a própria chamada da notícia destaca, foi de espanto e indignação por parte da comunidade científica. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC e a Academia Brasileira de Ciências - ABC se manifestaram em carta encaminhada ao Nuzman, classificando como despropositada a proibição do COB.

Ambas instituições argumentam que as olimpíadas científicas ocorrem a anos no Brasil e que a palavra é também usada internacionalmente para designar competições científicas como a International Mathematical Olympiad, Math Olympids for Elementray and Midde Schools, The British Mathematical Olympiad Sibtrust e Science Olympiad.

Este recurso de intimidação por parte do COB não é caso isolado. Em 2010, a professora Katia Rubio, da USP, também foi notificada pelo Comitê, que determinava o recolhimento de seu livro Esporte, Educação e Valores Olímpicos. A acusação foi de uso indevido da palavra "olímpicos" e dos cinco anéis estilizados na capa do livro.  

O argumento do COB é de que ao passo que se aproximam os Jogos Rio 2016, cresce o interesse pela associação de produtos e serviços ao evento. Assim, é dever da instituição defender e salvaguardar a proteção das marcas, símbolos e expressões olímpicas, todas de propriedade do Comitê Olímpico Internacional.

O fato é que desde a revisão da Carta Olímpica de 1991, o COI tratou de centralizar a comercialização da propriedade intelectual e direitos de imagem do Movimento Olímpico, o que envolve, obviamente, a exploração comercial dos Jogos, transformados num espetáculo produzido a partir de complexos projetos de marketing. 

A Carta diz:

"Os Jogos Olímpicos são de propriedade exclusiva do COI, que possui todos os direitos relacionados com eles, especialmente, e sem restrições, os relativos a sua organização, exploração, difusão, registro, representação, reprodução, acesso e disseminação sob qualquer forma e por quaisquer meios e mecanismos existentes na atualidade ou que sejam desenvolvidos no futuro."

E são os comitês olímpicos nacionais os responsáveis perante o COI de fazer cumprir em seu país o que está dito na Carta, obtendo a proteção jurídica necessária para aquilo que reclama como sendo seu, o monopólio dos Jogos.

O COB vem fazendo direitinho o seu dever de casa...

Para questionar as Olimpíadas científicas, apelou para um extenso aparato legal, a Lei 9.279/96 - Lei da Propriedade Industrial, a Lei 9.615/98 - Lei Pelé, Lei 9.610/98 - Lei de Direitos Autorais, a Lei 8.078/90 - Código de Defesa do Consumidor e a Lei 12.035/2009 - Ato Olímpico, isto sem falar do Tratado de Nairóbi, que se refere à proteção dos símbolos olímpicos e do qual o Brasil é signatário, posição ratificada pelo Decreto-Lei 90.129/84

Até eu que não sou doutor advogado, ao ler o conjunto desta legislação, pude perceber que o COB força a barra na interpretação, ou seja, em nenhuma das leis está explícita sua propriedade ou exclusivo direito de utilização dos termos "olimpíada" e "olímpicos".

De todo modo, frente à repercussão negativa da medida - vejam matéria da Folha de S. Paulo, o Comitê já voltou atrás. Ontem mesmo, 17/1, o JC e-mail 4647 informou que, em nota, o COB esclareceu que a notificação enviada a Unicamp tinha apenas um caráter educativo e que estuda autorizar o uso do termo "olimpíada" para fins educacionais.

Arrependido é que o Nuzman não está. Com toda certeza vai continuar a fazer das suas... 
A pedagogia do COB e do COI é a intimidação, tudo para proteger sua galinha dos ovos de ouro, o monopólio sobre o comércio dos Jogos Olímpicos. 

Lamentável!

6 comentários:

  1. O COB é assim... Primeiro proibe, cria o fato e, depois, "autoriza"!... E vem mais por aí...

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    1. Olá Russo,

      Esta é a pedagogia do COB, intimidar e chamar para sí a responsabilidade de autorização dos termos olímpicos...

      Veja o qu disse Helena Nader, presidente da SBPC:

      "O Olimpo não nasceu junto com o esporte. Se alguém quer o direito sobre a palavra, deveriam ser os gregos. Olimpo é uma montanha onde moram os deuses, onde todos almejam chegar. Olimpíada de matemática, história ou ciências não é competição. É algo maior. É a busca pela superação dos limites, não só dos limites físicos. O COB deveria se envergonhar de discutir uma coisa dessas".

      Valeu!
      Fernando

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  2. Caro Fernando,
    Sem dúvida esse é um tema que ainda vai voltar várias vezes ao debate até 2016. Escrevemos sobre isso em um texto na Esporte e Sociedade em 2011 (http://www.uff.br/esportesociedade/pdf/es1801.pdf), onde percebemos que a situaçao no Brasil nao é inédita e já foi objeto de polemica em vários países. Entretanto, a dificuldade de diálogo com nossas entidades olímpicas é que pode deixar a situaçao mais complicada. Esperamos que haja um bom senso de perceber nao só que as olimpíadas científicas nao tem um caráter de 'emboscada', mas também muitos dos usos tendem mais a promover que prejudicar o Rio 2016.

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    1. Oi Bárbara,

      Li o artigo, parabéns a vc, Juliana e Wanderley.

      Na corda bamba entre a liberdade de expressão e o monopólio comercial, reconhecendo este último como necessário ao movimento olímpico e aos megaeventos para sua reprodução como negócio, acho que ficamos todos do lado da liberdade de expressão... Aposto num outro megaevento possível.

      Sob o ponto de vista histórico, L'altra olimpíada, Barcelona '36, lançou pistas de como o esporte pode se ligar a um movimento internacionalista de solideriedade e emancipação humana.

      De todo modo, por aqui, no contexto Rio 2016, esta foi só mais uma do Nuzman.

      Como vocês bem disseram,"é muito provável que outros casos surjam"...

      Abraço, Fernando

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  3. Muito legal o texto e lamentável o desejo de se apropriar de um vocábulo!
    Nem mesmo os gregos teriam tamanha prosápia. Eles são mais inteligentes! (Afinal, foi lá que quase tudo se iniciou...)
    Não resta outra coisa a não ser rir da postura do COB. Este deveria se preocupar com questões muito mais complexas e emergenciais. Enquanto não fazem isso, deixemos a reflexão de Mário Quintana:

    Todos esses que aí estão
    Atravancando meu caminho,
    Eles passarão...
    Eu passarinho!

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  4. Olá Marcos, veja a nota do COB:

    "As cartas enviadas às instituições de ensino têm caráter educativo, de forma a garantir que o termo "Olimpíadas", que é uma propriedade do Comitê Olímpico Internacional (COI), não seja vinculado a questões comerciais. O Comitê Olímpico Brasileiro está estudando, em conjunto com o COI, a possibilidade de autorizar a utilização do termo para fins propostos, como por exemplo, pela UNICAMP. Tão logo tenhamos um posicionamento quanto ao tema, a UNICAMP será formalmente comunicada. Sobre os símbolos e designações olímpicas, estes são de propriedade do Comitê Olímpico Internacional (COI), que, através da Carta Olímpica, exige dos Comitês Olímpicos Nacionais (CONs) a defesa das marcas em seus respectivos países. Somente os CONs, os Comitês Organizadores de Jogos Olímpicos e patrocinadores do Movimento têm autorização de uso das marcas, símbolos, designações e demais direitos de propriedade industrial do COI."

    É mesmo para rir.

    Eles continuarão...rsss

    Abraço, Fernando.

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