segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Investindo na base


Nesta quinta, 28/11, terão início em Brasília, os Jogos Mundiais Escolares - Gymnasiade 2013. Segundo a Federação Internacional de Esporte Escolar - ISF, sediaremos o maior evento escolar do mundo, reunindo cerca de 1.700 estudantes, de 14 a 17 anos, representando 35 países, para competições em oito modalidades esportivas.

Ainda no mês passado, ao receber os organizadores para uma vistoria, o ministro Aldo Rebelo destacou o empenho do governo brasileiro para fortalecer o chamado esporte de base.
 
"A Presidência da República nos orientou a retomar os Jogos Escolares, em parceria com o Ministério da Educação. O período de realização da Gymnasiade será bastante positivo, e a experiência permanecerá na vida dos adolescentes. Podemos fazer com que essa experiência também se inicie nos municípios", disse.

Em postagem anterior, atleta na escola, já havia chamado atenção para a intenção do Ministério do Esporte de fortalecer os Jogos Escolares, intenção que foi ratificada pelo Fórum Nacional de Secretários e Gestores Estaduais de Esporte e Lazer.

Uma nova visão do esporte educacional brasileiro, este foi o tema da reunião do Fórum realizada em setembro que aprovou a retomada dos Jogos Escolares Brasileiros - JEB's.

Isso mesmo: as Olimpíadas Escolares, que neste ano tinham virado Jogos Escolares da Juventude, e que já se chamaram no passado Olimpíadas Escolares, Olimpíada Colegial Esperança, Jogos da Juventude, Campeonatos Escolares Brasileiros e, no mais patrásmente ainda, Jogos Estudantis Brasileiros, voltarão a se chamar, no ano que vem, Jogos Escolares Brasileiros.

O que isso significa?

Embora sua história remonte a um passado sombrio, nascido em plena Ditadura Militar, num contexto em que a educação física e o esporte, em certo sentido, contribuíram com a desmobilização política e consentimento dos estudantes, assim como o Jogos Universitários Brasileiros - JUB´s, os JEB´s se fixaram na memória do esporte brasileiro como uma competição de grande importância.

A história e importância de tais competições podem ser melhor conhecidas a partir do livro Memória do esporte educacional brasileiro: breve história dos Jogos Universitários e Escolares, editado pelo Centro de Estudos e Memória da Juventude - CEMJ.

Há, portanto, um componente simbólico na retomada dos JEB´s, sinalizando uma decisão política de fortalecimento do esporte educacional.

Por sua vez, ao protagonizar tal movimento, o Ministério do Esporte escanteia o COB, o que, aliás, o fez a partir das últimas alterações na Lei Pelé, privilegiando a Confederação Brasileira de Desporto Escolar - CBDE como sua parceira na organização da competição.

Fortalecer o esporte educacional, como disse o ministro, significa fortalecer o esporte de base. Juntos, ministério, gestores e secretarias estaduais de esporte e CBDE prometem capilarizar e nacionalizar os JEB´s, conferindo-lhe sentido estratégico frente a meta de governo de transformar o Brasil numa potência olímpica.

Ao que parece, a propalada "nova" visão do esporte educacional brasileiro olha o futuro pelo retrovisor. 
  
"Um dos grandes legados olímpicos será a consolidação da Rede Nacional de Treinamento. Na base da pirâmide está a grande massa de crianças e jovens brasileiros cujos talentos são identificados em clubes, programas sociais, como Segundo Tempo/Mais Educação, Segundo Tempo/Forças no Esporte e Programa Esporte e Lazer da Cidade, e no programa Atleta na Escola, que tem a missão de promover a iniciação esportiva. Os programas poderão ser desenvolvidos nos Centros de Iniciação ao Esporte (CIE)", é o que prometem.

O Sistema Nacional de Esporte e Lazer, que foi projetado a partir dos debates da I e II Conferências Nacionais do Esporte, em 2004 e 2006, levava em conta a especificidade de cada uma das dimensões do esporte, o esporte educacional, esporte recreativo e o esporte de rendimento, procurando manter os canais de comunicação entre elas, de modo isonômico, sem hierarquia.

A concepção tradicional de pirâmide esportiva, que subordina toda e qualquer experiência com o esporte ao objetivo de ir peneirando talentos, a partir da base, até chegar a uma elite de atletas, naquele momento, havia sido afastada das discussões. Mas desde o Pan de 2007 e a candidatura Rio 2016, tudo mudou.

Num destes debates que tenho participado sobre o tema, mais especificamente, num simpósio realizado em Guanambi-BA, ouvi de um professor: "Chegou bola? Na minha escola primeiro!". O tom era de ironia e brincadeira, mas sua fala não deixa de dizer que num cenário de precarização, o que vier é lucro.

O perigo está no poder simbólico e estrutura que os Jogos Olímpicos, a Gymnasiade, os JEBs e todo conjunto de políticas e programas governamentais levam para dentro da escola. Produz-se um tipo de atração que acaba por formatar a educação física e o esporte naquele ambiente segundo os códigos e normas da instituição esportiva.

Para terminar, reproduzo o alerta dos colegas Valter Bracht e Felipe Quintão de Almeida:

"A luta contra os possíveis abusos de poder do sistema esportivo, na atualidade, passa pelo compromisso de manter, na agenda da área, a necessidade de se construir uma “forma escolar” para o esporte no Brasil. A alardeada década esportiva em nosso País (...) recoloca esse debate no centro das atenções. Não se pode descartar que a década esportiva em curso resulte, mais uma vez, na transformação da Educação Física Escolar em treino desportivo, reeditando, assim, a malfadada “forma escolar” do esporte que transformou, nos anos 1970, a Educação Física em base da pirâmide esportiva. Considerando essa possibilidade, o compromisso (político) da área é continuar advogando que a referência para a prática do esporte, na escola, não deve ser o sistema esportivo formal ou o esporte espetáculo, mas a própria escola."

Trata-se de um extrato do texto Esporte, escola e a tensão que os megaeventos esportivos trazem para a Educação Física Escolar, publicado por eles na revista Em aberto, do INEP, em um número especial sobre as implicações dos megaeventos para a educação física escolar, organizado por Elenor Kunz e José Tarcísio Grunennvaldt, o qual vale a leitura. 

Aldo Rebelo, Gymnasiade 2013, Jogos Rio 2016... 
passarão.
A escola passarinho!

9 comentários:

  1. Boas reflexões, Fernando. Sugiro a leitura do livro no link http://cemj.org.br/nossosProjetos_Publicacoes.asp que resgata um pouco da memória do esporte escolar.

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    1. Opa Alexandre, vi sim o livro, Memória do Esporte Educacional Brasileiro, e já o linkei no post. Ótima referência! Obrigado.

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  2. Pelo que tenho visto aqui no Ceará...onde tem um forte gestor da CBDE, que virou prefeito, isso só vai mudar de executor...e para florear.. mudaram o nome. Sinceramente vai ser a mesma m.. de sempre...ou pior...pois o que tem se visto..é só um retrocesso.

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    1. Oi Juliana, sim, como mencionei no post "Atleta na escola", o presidente licenciado da CBDE, Sérgio Rufino, e presidente em exercício, Antônio Hora Filho, são camaradas de partido do ministro Aldo Rebelo, PCdoB. O escanteio do COB e preferência pela CBDE não é uma obra do acaso. Mas não sei o que é o pior.... como diria o ditado popular, tamo entre o diabo e a coisa ruim...rs.... Abç, Fernando

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  3. Muito pertinente esse alerta, Fernando.
    Foi como disse o compadre Laércio ao Juca, quando este perguntou qual ele imaginava ser o impacto para a EF o fato do Brasil sediar os Jogos Olimpicos:
    - periga faltar bola lá no Maranhão!!!

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    1. Olá Giovani, é sempre bom ver comentários dos mestres por aqui.
      Sim, boa lembrança, o bom e sábio chaveiro do CEV, prof. Laércio, já havia acendido o sinal de alerta.
      Para quem não viu sua entrevista, vale assistir.
      Tá no link: http://www.youtube.com/watch?v=LTdbSE6enbk.
      Abç, Fernando

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