Recentemente dei uma entrevista ao colega Pedro Fernando Avalone Athayde que foi publicada na edição de abril do boletim Politizando, do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Política Social - NEPPOS/UnB. O tema envolveu as políticas urbanas e os custos sociais dos megaeventos.
Aproveito então este post para dar divulgação ao conteúdo da entrevista, que segue reproduzida abaixo.
Politizando - Em artigo de 2012, O bloco olímpico: Estado, organização esportiva e mercado na configuração da agenda Rio 2016, você identifica uma firme atuação do governo Lula no financiamento e investimento de infraestrutura para preparação do país como sede dos megaeventos esportivos. Além disso, você afirma que há um empenho daquele governo no incremento de programas e ações de manejo social do risco. O que isso significa?
Sim, a partir do final do primeiro mandato do governo Lula e início do segundo, 2006-2007, com a melhora das contas externas do país, houve uma flexibilização das políticas macroeconômicas, inclusive da política fiscal, o que possibilitou maiores investimentos por parte do Estado. O tema do crescimento ganhou importância na agenda de governo e a ampliação da infraestrutura existente no país tornou -se essencial para um novo arranjo político-econômico.
É neste cenário que se inscreve o apoio do governo federal à candidatura e à realização dos megaeventos esportivos, parte de um projeto que, ao mesmo tempo prometia estimular o crescimento interno e reformular a imagem externa brasileira, catalisando obras e investimentos.
Todavia, os supostos impactos econômicos e sociais dos megaeventos estão se revelando absolutamente concentrados, produzindo uma espécie de legado às avessas.
Vejam o exemplo do Rio de Janeiro, cujas obras envolvendo a preparação para os Jogos sustentam-se a partir de um tipo de empreendedorismo que aprofunda a desigualdade na cidade. A Barra da Tijuca, notadamente uma região já privilegiada no que diz respeito ao acesso aos bens e serviços públicos, onde residem apenas 200 mil do total dos 5,5 milhões de habitantes do município, é a região que mais concentra investimentos. Na outra ponta, a população “suburbana” e “favelada” excluídas do modelo de “cidade empresa” que se pretende construir.
O manejo social do risco, ou gestão do risco, neste caso, diz respeito ao projeto de pacificação das favelas que, além da intervenção militar, compreende ainda a providência do Estado social. Ao lado de um conjunto de políticas governamentais de ampliação do mercado de massa, como o próprio Bolsa Família, o controle dos preços da cesta básica, o aumento real do salário mínimo, dentre outras ações, a política de segurança faz com que um conjunto de programas sociais e políticas esportivas também suba os morros cariocas.
Politizando - No mesmo artigo, você afirma que o “projeto olímpico”, correspondente à realização dos Jogos Olímpicos de 2016 está articulado ao modelo neodesenvolvimentista e à política externa de reposicionamento do país na geopolítica mundial. Poderia falar um pouco mais sobre essa relação?
Houve um investimento e apoio pessoal de Lula à candidatura do país, algo que se justifica tanto por sua paixão pelo esporte, em particular pelo futebol, como por sua percepção sobre o que representam os Jogos Olímpicos no plano das relações geopolíticas e concorrenciais.
Houve um investimento e apoio pessoal de Lula à candidatura do país, algo que se justifica tanto por sua paixão pelo esporte, em particular pelo futebol, como por sua percepção sobre o que representam os Jogos Olímpicos no plano das relações geopolíticas e concorrenciais.
Não por acaso, logo após a escolha do Rio, Lula comemorou: “Deixamos de ser um país de segunda classe. Ganhamos a cidadania internacional". A declaração é a expressão de um processo em que o esporte e os Jogos Olímpicos foram inscritos em seu projeto de mobilidade da nação.
Mas é óbvio que o envolvimento governamental, a convergência e a coalizão de interesses em prol da candidatura olímpica brasileira não se definiram somente a partir da vontade e empenho de Lula. Ainda que superestimados, os impactos sociais e econômicos esperados dos Jogos de 2016 se articulavam ao próprio projeto nacional idealizado pelos intelectuais governistas, denominado por eles de “neodesenvolvimentismo”.
Na relação mais direta deste modelo com o projeto olímpico, um movimento combinado, com o Estado como investidor - por meio do PAC, vem buscando garantir as grandes obras de infraestrutura - em especial as ligadas à mobilidade e infraestrutura aeroportuária.
Além disso, o Estado como financiador - por meio do BNDES, opera na concessão de crédito aos grupos empresariais envolvidos com a construção das arenas esportivas, expansão da rede hoteleira e serviços turísticos, incremento em tecnologias de informação e telecomunicações, dentre outros setores.
Isto sem falar do Estado Social, que busca ampliar o alcance de programas e projetos sociais que se combinam às ações de segurança pública.
Politizando - Alguns movimentos sociais, com destaque para os Comitês Populares da Copa e Olimpíadas, denunciam que o Estado tem promovido uma realocação das comunidades pobres, especialmente nas cidades que sediarão os grandes eventos esportivos. Você concorda com essa afirmação?
Conforme estudo da Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa e Olimpíadas, uma série de direitos estão sob ataque em função da preparação do país para os megaeventos. Trabalho, mobilidade e segurança, são alguns desses direitos, mas o principal é o direito à moradia.
Segundo Dossiê construído pelos Comitês, entre 150 e 170 mil pessoas estão sendo despejadas ou removidas de seus lares nas 12 cidades sedes, números que são confirmados pela relatoria especial da ONU para o direito à moradia adequada.
O Ministério do Esporte contesta, alegando que nem todas essas remoções decorrem de obras relacionadas à Copa ou aos Jogos Olímpicos.
Mas o fato é que elas estão sendo fartamente documentadas pelo Comitês, que denunciam a violação do direito à posse, propostas inadequadas de reassentamento, violação do direito ao devido processo legal, propostas inadequadas de indenização, falta de aviso prévio, demolição parcial das comunidades para pressionar famílias que ainda resistem, intimidação, ameaças e violência física por parte do poder público.
Outro dado que merece atenção é a política habitacional de reassentamento da Prefeitura do Rio de Janeiro, a partir do programa Minha Casa Minha Vida.
Segundo pesquisa do Observatório das Metrópoles, os moradores forçados a sair de suas casas no Rio de Janeiro estão se mudando para áreas periféricas da cidade onde a terra é mais barata; com isso novas favelas se formam e a segregação se acentua, o que confirma o acirramento da desigualdade e a marginalização histórica das comunidades pobres.
Politizando - Qual é o papel das políticas urbanas e de segurança pública nessa reconfiguração do local das classes empobrecidas dentro da cidade? Quem são os principais beneficiados com essa reestruturação urbana?
Não sou um estudioso das políticas urbanas. Mas vale dizer que é a partir da discussão envolvendo a feitura das cidades e o desenvolvimento das metrópoles, isto é, é a partir da área da geografia e do urbanismo que percebo o maior adensamento do conhecimento produzido sobre o tema dos megaeventos.
Noções ou conceitos correntes nesta área, como empreendedorismo urbano, concorrência interurbana,
empresariamento das cidades, conferem forma a um arcabouço categorial poderoso no sentido de reter os nexos entre a agenda urbana e a economia política, apresentando-se como balizas para aqueles que querem compreender as relações entre os megaeventos e as cidades.
Nesta linha, o conceito de gentrificação pode nos ajudar a compreender como as políticas de segurança impactam determinadas comunidades.
Primeiro, é bom que se diga que as políticas de segurança, sobretudo aquelas que se materializam através das UPPs no Rio de Janeiro, formam um cinturão de proteção em torno das regiões onde ocorre-ram a Copa e os Jogos. Ou seja, a prioridade é a segurança dos eventos.
As políticas de segurança, além do aparato policial, envolvem ainda programas sociais visando a mitigação da exclusão e a superação de eventos negativos que possam macular a imagem do país e da cidade como um lugar favorável e amigável aos negócios.
Já nas favelas, o que se verifica é que a suposta pacificação tem produzido alterações nas dinâmicas das comunidades, com transformações no comércio e estética local, valorizando a região - em termos especulativos - e afetando a população de baixa renda.
Este processo é seguido de um aumento de custos de bens e serviços, dificultando a permanência de antigos moradores. São as forças sutis da gentrificação, que obrigam os moradores que não podem mais se dar ao luxo de viver em suas próprias comunidades, a se mudarem para áreas mais carentes e periféricas da cidade, nutrindo a especulação imobiliária.
Politizando - Na sua opinião, caso exista, qual será o principal legado deixado pelos megaeventos esportivos no Brasil?
Para ser direto, diante dos grandes contratos e empresas beneficiadas, das obras superfaturadas e desperdício de recursos públicos, da especulação imobiliária e do aprofundamento das desigualdades, do desrespeito e ataque aos direitos sociais, poderia dizer que o que vamos ver pósmegaeventos são inúmeros legados às avessas.
Mas encerro com uma mensagem de otimismo e esperança. E me nutro, para isto, nas inúmeras mobilizações que, desde as jornadas de junho, vêm contestando e politizando este tema.
Refiro-me aos movimentos sociais reunidos em torno de bandeiras que, de diferentes maneiras, questionam a Copa. Sim, os megaeventos podem deixar um importante legado; um legado que desnuda os processos de privatização do fundo público e que, ao mesmo tempo, afirmam o caráter público que devem ter nossas políticas.
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