domingo, 25 de maio de 2014

Legado às avessas

 

Recentemente dei uma entrevista ao colega Pedro Fernando Avalone Athayde que foi publicada na edição de abril do boletim Politizando, do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Política Social - NEPPOS/UnB. O tema envolveu as políticas urbanas e os custos sociais dos megaeventos.

Aproveito então este post para dar divulgação ao conteúdo da entrevista, que segue reproduzida abaixo.

Politizando - Em artigo de 2012, O bloco olímpico: Estado, organização esportiva e mercado na configuração da agenda Rio 2016, você identifica uma firme atuação do governo Lula no financiamento e investimento de infraestrutura para preparação do país como sede dos megaeventos esportivos. Além disso, você afirma que há um empenho daquele governo no incremento de programas e ações de manejo social do risco. O que isso significa?

Sim, a partir do final do primeiro mandato do governo Lula e início do segundo, 2006-2007, com a melhora das contas externas do país, houve uma flexibilização das políticas macroeconômicas, inclusive da política fiscal, o que possibilitou maiores investimentos por parte do Estado. O tema do crescimento ganhou importância na agenda de governo e a ampliação da infraestrutura existente no país tornou -se essencial para um novo arranjo político-econômico. 

É neste cenário que se inscreve o apoio do governo federal à candidatura e à realização dos megaeventos esportivos, parte de um projeto que, ao mesmo tempo prometia estimular o crescimento interno e reformular a imagem externa brasileira, catalisando obras e investimentos.

Todavia, os supostos impactos econômicos e sociais dos megaeventos estão se revelando absolutamente concentrados, produzindo uma espécie de legado às avessas. 

Vejam o exemplo do Rio de Janeiro, cujas obras envolvendo a preparação para os Jogos sustentam-se a partir de um tipo de empreendedorismo que aprofunda a desigualdade na cidade. A Barra da Tijuca, notadamente uma região já privilegiada no que diz respeito ao acesso aos bens e serviços públicos, onde residem apenas 200 mil do total dos 5,5 milhões de habitantes do município, é a região que mais concentra investimentos. Na outra ponta, a população “suburbana” e “favelada” excluídas do modelo de “cidade empresa” que se pretende construir.

O manejo social do risco, ou gestão do risco, neste caso, diz respeito ao projeto de pacificação das favelas que, além da intervenção militar, compreende ainda a providência do Estado social. Ao lado de um conjunto de políticas governamentais de ampliação do mercado de massa, como o próprio Bolsa Família, o controle dos preços da cesta básica, o aumento real do salário mínimo, dentre outras ações, a política de segurança faz com que um conjunto de programas sociais e políticas esportivas  também suba os morros cariocas. 

Politizando - No mesmo artigo, você afirma que o “projeto olímpico”, correspondente à realização dos Jogos Olímpicos de 2016 está articulado ao modelo neodesenvolvimentista e à política externa de reposicionamento do país na geopolítica mundial. Poderia falar um pouco mais sobre essa relação?

Houve um investimento e apoio pessoal de Lula à candidatura do país, algo que se justifica tanto por sua paixão pelo esporte, em particular pelo futebol, como por sua percepção sobre o que representam os Jogos Olímpicos no plano das relações geopolíticas e concorrenciais. 

Não por acaso, logo após a escolha do Rio, Lula comemorou: “Deixamos de ser um país de segunda classe. Ganhamos a cidadania internacional". A declaração é a expressão de um processo em que o esporte e os Jogos Olímpicos foram inscritos em seu projeto de mobilidade da nação. 

Mas é óbvio que o envolvimento governamental, a convergência e a coalizão de interesses em prol da candidatura olímpica brasileira não se definiram somente a partir da vontade e empenho de Lula. Ainda que superestimados, os impactos sociais e econômicos esperados dos Jogos de 2016 se articulavam ao próprio projeto nacional idealizado pelos intelectuais governistas, denominado por eles de “neodesenvolvimentismo”.

Na relação mais direta deste modelo com o projeto olímpico, um movimento combinado, com o Estado como investidor - por meio do PAC, vem buscando garantir as grandes obras de infraestrutura - em especial as ligadas à mobilidade e infraestrutura aeroportuária. 

Além disso, o Estado como financiador - por meio do BNDES, opera na concessão de crédito aos grupos empresariais envolvidos com a construção das arenas esportivas, expansão da rede hoteleira e serviços turísticos, incremento em tecnologias de informação e telecomunicações, dentre outros setores. 

Isto sem falar do Estado Social, que busca ampliar o alcance de programas e projetos sociais que se combinam às ações de segurança pública.

Politizando - Alguns movimentos sociais, com destaque para os Comitês Populares da Copa e Olimpíadas, denunciam que o Estado tem promovido uma realocação das comunidades pobres, especialmente nas cidades que sediarão os grandes eventos esportivos. Você concorda com essa afirmação?

Conforme estudo da Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa e Olimpíadas, uma série de direitos estão sob ataque em função da preparação do país para os megaeventos. Trabalho, mobilidade e segurança, são alguns desses direitos, mas o principal é o direito à moradia. 

Segundo Dossiê construído pelos Comitês, entre 150 e 170 mil pessoas estão sendo despejadas ou removidas de seus lares nas 12 cidades sedes, números que são confirmados pela relatoria especial da ONU para o direito à moradia adequada.

O Ministério do Esporte contesta, alegando que nem todas essas remoções decorrem de obras relacionadas à Copa ou aos Jogos Olímpicos. 

Mas o fato é que elas estão sendo fartamente documentadas pelo Comitês, que denunciam a violação do direito à posse, propostas inadequadas de reassentamento, violação do direito ao devido processo legal, propostas inadequadas de indenização, falta de aviso prévio, demolição parcial das comunidades para pressionar famílias que ainda resistem, intimidação, ameaças e violência física por parte do poder público.

Outro dado que merece atenção é a política habitacional de reassentamento da Prefeitura do Rio de Janeiro, a partir do programa Minha Casa Minha Vida. 

Segundo pesquisa do Observatório das Metrópoles, os moradores forçados a sair de suas casas no Rio de Janeiro estão se mudando para áreas periféricas da cidade onde a terra é mais barata; com isso novas favelas se formam e a segregação se acentua, o que confirma o acirramento da desigualdade e a marginalização histórica das comunidades pobres.

Politizando - Qual é o papel das políticas urbanas e de segurança pública nessa reconfiguração do local das classes empobrecidas dentro da cidade? Quem são os principais beneficiados com essa reestruturação urbana?

Não sou um estudioso das políticas urbanas. Mas vale dizer que é a partir da discussão envolvendo a feitura das cidades e o desenvolvimento das metrópoles, isto é, é a partir da área da geografia e do urbanismo que percebo o maior adensamento do conhecimento produzido sobre o tema dos megaeventos.

Noções ou conceitos correntes nesta área, como empreendedorismo urbano, concorrência interurbana,
empresariamento das cidades, conferem forma a um arcabouço categorial poderoso no sentido de reter os nexos entre a agenda urbana e a economia política, apresentando-se como balizas para aqueles que querem compreender as relações entre os megaeventos e as cidades.

Nesta linha, o conceito de gentrificação pode nos ajudar a compreender como as políticas de segurança impactam determinadas comunidades. 

Primeiro, é bom que se diga que as políticas de segurança, sobretudo aquelas que se materializam através das UPPs no Rio de Janeiro, formam um cinturão de proteção em torno das regiões onde ocorre-ram a Copa e os Jogos. Ou seja, a prioridade é a segurança dos eventos. 

As  políticas de segurança, além do aparato policial, envolvem ainda programas sociais visando a mitigação da exclusão e a superação de eventos negativos que possam macular a imagem do país e da cidade como um lugar favorável e amigável aos negócios.

Já nas favelas, o que se verifica é que a suposta pacificação tem produzido alterações nas dinâmicas das comunidades, com transformações no comércio e estética local, valorizando a região - em termos especulativos - e afetando a população de baixa renda.

Este processo é seguido de um aumento de custos de bens e serviços, dificultando a permanência de antigos moradores. São as forças sutis da gentrificação, que obrigam os moradores que não podem mais se dar ao luxo de viver em suas próprias comunidades, a se mudarem para áreas mais carentes e periféricas da cidade, nutrindo a especulação imobiliária.

Politizando - Na sua opinião, caso exista, qual será o principal legado deixado pelos megaeventos esportivos no Brasil?

Para ser direto, diante dos grandes contratos e empresas beneficiadas, das obras superfaturadas e desperdício de recursos públicos, da especulação imobiliária e do aprofundamento das desigualdades, do desrespeito e ataque aos direitos sociais, poderia dizer que o que vamos ver pósmegaeventos são inúmeros legados às avessas. 

Mas encerro com uma mensagem de otimismo e esperança. E me nutro, para isto, nas inúmeras mobilizações que, desde as jornadas de junho, vêm contestando e politizando este tema. 

Refiro-me aos movimentos sociais reunidos em torno de bandeiras que, de diferentes maneiras, questionam a Copa. Sim, os megaeventos podem deixar um importante legado; um legado que desnuda os processos de privatização do fundo público e que, ao mesmo tempo, afirmam o caráter público que devem ter nossas políticas.

Da Copa eu abro mão.
Quero dinheiro para Moradia, Transporte, Saúde, Esporte e Educação!

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Presidente da fiel


Faz um bom tempo que não publico nenhum post... e o blog anda meio paradão, resultado do fim de minha licença para o pós-doutorado - que terminou em março - e o retorno, a toda carga, às minhas atividades na Faculdade de Educação Física da UnB.

Bom, decidi retomar as postagens, mas num ritmo ainda difícil de prever, de início, conforme tiver algum material e texto que mereça divulgação, mesmo que não tenha sido escrito especificamente para o blog.

Para começar, tendo em vista a inauguração do Itaquerão, aproveito para dar publicidade a um artigo recentemente publicado do qual sou co-autor, escrito em parceria com Silvio Ricardo da Silva, do Grupo de Estudos sobre Futebol e Torcidas - GEFuT, e Mariângela Ribeiro dos Santos, também pesquisadora do Avante.

Trata-se do resultado de uma pesquisa desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-graduação em Educação Física da UnB que problematiza as mediações do lulismo com o futebol, sustentando que a modalidade esteve fortemente associada ao simbolismo popular e poder carismático de Lula.

Buscamos analisar como o futebol esteve inserido nos discursos do presidente. Como resultado, identificamos três matrizes discursivas: a metafórica, pela qual a linguagem do futebol é usada como recurso identificatório e de projeção; a corintiana, na qual prevalece o discurso torcedor e opinativo; a pragmática, que acompanha a agenda modernizante para a realização da Copa do Mundo FIFA 2014.

O lulismo é um fenômeno recente e seu sentido histórico não se fixou completamente. Cheio de ambiguidade e contradição, combinou mudança e conservação, superação e reprodução, esperança e decepção, tudo num mesmo movimento.

O governo de Lula e do PT não trouxe novidades e passou longe de qualquer reforma anticapitalista. Ao contrário, promoveu um pacto conservador e governou ao lado dos ricos e poderosos. Mas é verdade também que, do ponto de vista material e econômico, teve empenho redistributivo, o que, ao lado do simbolismo popular e poder carismático de Lula, garantiu a simpatia e adesão dos pobres e muito pobres.

Intentamos explorar a dimensão simbólica do lulismo, particularmente, suas mediações com o futebol. Sim, a presença do futebol no discurso de Lula foi marcante, algo que reflete sua formação cultural.

Nunca nenhum presidente havia falado tanto de futebol, até porque, diferentemente dos antecessores, ele dominava seus códigos. Lula usou e abusou de sua linguagem para se comunicar, cultivando o sentimento do popular, do nacional e do moderno. Foi com estes sentidos que se pronunciou através do futebol e sobre o futebol.

Em termos gramscinianos, Lula comandou um imenso avanço orgânico do consentimento, além do carisma pop e da cultura anticrítica... e o seu “futebolês” ajudou.

Para mais detalhes, o artigo na íntegra, com o título LULISMO E FUTEBOL: OS DISCURSOS DE UM TORCEDOR PRESIDENTE, foi publicado na revista Movimento, periódico da Escola de Educação Física da UFRGS.

Espero que se interessem pelo artigo e que este possa se fazer relevante para o debate.

Boa leitura!

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Papel do Estado


Este é mais um post dedicado à divulgação de um artigo recentemente publicado do qual sou co-autor, escrito em parceria com Wagner Matias.

Trata-se do resultado de uma pesquisa desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-graduação em Educação Física da UnB, cujo objetivo foi analisar a agenda e a configuração das políticas de esporte do governo Lula, com especial atenção para a relação entre Estado, fundo público e organização esportiva no contexto dos grandes eventos. 

O resultado desta pesquisa, na íntegra, pode ser acessado no Repositório Institucional da UnB,  pois deu origem à dissertação O enigma olímpico: o controvertido percurso da agenda e políticas esportivas no Governo Lula, escrita pelo Wagner sob minha orientação. 

O artigo em divulgação não aborda diretamente do esporte, é uma recorte da dissertação que expressa o momento da investigação dedicado à discussão sobre as transformações do Estado no mundo atual, o que é fundamental para compreendermos o lugar dos grandes eventos na agenda de crescimento do governo Lula.

Este estudo discute as características e o desmonte do chamado Estado de Bem Estar, o que, sob o ponto de vista histórico, decorre da crise estrutural do capitalismo que se intensificou em meados da década de 1970, arrastando-se até os dias de hoje.

Desde então, a função integradora do Estado, ligada à implementação das políticas sociais, foi perdendo espaço para sua função econômica, reforçando seu papel estrutural de assegurar os pré-requisitos gerais do processo de produção efetivo.

Neste contexto, o fundo público vem sendo mobilizado para o financiamento de políticas que garantam estabilidade econômica e criem um ambiente favorável aos investimentos e à competitividade. 

Por sua vez, as políticas sociais estão reduzidas à ideia de  política de combate à pobreza , esvaziando o papel do Estado na garantia dos direitos sociais, o que tem implicado no metamorfoseamento da prestação de serviços públicos, substituídos pela monetarização de benefícios - como, no caso brasileiro, onde os serviços chegam na forma de bolsas.

O Estado atual não só oferece as condições para a produção e reprodução capitalista, mas prioriza estratégias que criem, reestruturem ou reforcem vantagens competitivas de seu território e de seus agentes econômicos. 

Nesse sentido, as cidades concorrem entre si para atrair novos investimentos, o que as leva a ofertar condições ótimas para todo o tipo de empreendimento, garantindo-lhes vantagens fiscais, trabalhistas, logísticas e de segurança. 

A aventura olímpica brasileira, como uma forma de empreendedorismo urbano, surge com este objetivo. Combinando a ação governamental e interesses privados, busca imprimir à feitura da cidade do Rio de Janeiro verdadeiros saltos de inovação, transformando-a numa cidade ajustada às atuais formas e caminhos de acumulação de capital, apta a receber novos fluxos de investimentos e especulação, de produção e consumo.

Para mais detalhes, o artigo na íntegra, com o título AS TRANSFORMAÇÕES DA ATUAÇÃO DO ESTADO E AS POLÍTICAS SOCIAIS CONTEMPORÂNEAS, foi publicado na revista Argumentum, periódico vinculado ao Programa de Pós-graduação em Política Social da UFES.

Espero que se interessem pelo artigo e que este possa se fazer relevante para o debate.

Boa leitura!

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Investindo na base


Nesta quinta, 28/11, terão início em Brasília, os Jogos Mundiais Escolares - Gymnasiade 2013. Segundo a Federação Internacional de Esporte Escolar - ISF, sediaremos o maior evento escolar do mundo, reunindo cerca de 1.700 estudantes, de 14 a 17 anos, representando 35 países, para competições em oito modalidades esportivas.

Ainda no mês passado, ao receber os organizadores para uma vistoria, o ministro Aldo Rebelo destacou o empenho do governo brasileiro para fortalecer o chamado esporte de base.
 
"A Presidência da República nos orientou a retomar os Jogos Escolares, em parceria com o Ministério da Educação. O período de realização da Gymnasiade será bastante positivo, e a experiência permanecerá na vida dos adolescentes. Podemos fazer com que essa experiência também se inicie nos municípios", disse.

Em postagem anterior, atleta na escola, já havia chamado atenção para a intenção do Ministério do Esporte de fortalecer os Jogos Escolares, intenção que foi ratificada pelo Fórum Nacional de Secretários e Gestores Estaduais de Esporte e Lazer.

Uma nova visão do esporte educacional brasileiro, este foi o tema da reunião do Fórum realizada em setembro que aprovou a retomada dos Jogos Escolares Brasileiros - JEB's.

Isso mesmo: as Olimpíadas Escolares, que neste ano tinham virado Jogos Escolares da Juventude, e que já se chamaram no passado Olimpíadas Escolares, Olimpíada Colegial Esperança, Jogos da Juventude, Campeonatos Escolares Brasileiros e, no mais patrásmente ainda, Jogos Estudantis Brasileiros, voltarão a se chamar, no ano que vem, Jogos Escolares Brasileiros.

O que isso significa?

Embora sua história remonte a um passado sombrio, nascido em plena Ditadura Militar, num contexto em que a educação física e o esporte, em certo sentido, contribuíram com a desmobilização política e consentimento dos estudantes, assim como o Jogos Universitários Brasileiros - JUB´s, os JEB´s se fixaram na memória do esporte brasileiro como uma competição de grande importância.

A história e importância de tais competições podem ser melhor conhecidas a partir do livro Memória do esporte educacional brasileiro: breve história dos Jogos Universitários e Escolares, editado pelo Centro de Estudos e Memória da Juventude - CEMJ.

Há, portanto, um componente simbólico na retomada dos JEB´s, sinalizando uma decisão política de fortalecimento do esporte educacional.

Por sua vez, ao protagonizar tal movimento, o Ministério do Esporte escanteia o COB, o que, aliás, o fez a partir das últimas alterações na Lei Pelé, privilegiando a Confederação Brasileira de Desporto Escolar - CBDE como sua parceira na organização da competição.

Fortalecer o esporte educacional, como disse o ministro, significa fortalecer o esporte de base. Juntos, ministério, gestores e secretarias estaduais de esporte e CBDE prometem capilarizar e nacionalizar os JEB´s, conferindo-lhe sentido estratégico frente a meta de governo de transformar o Brasil numa potência olímpica.

Ao que parece, a propalada "nova" visão do esporte educacional brasileiro olha o futuro pelo retrovisor. 
  
"Um dos grandes legados olímpicos será a consolidação da Rede Nacional de Treinamento. Na base da pirâmide está a grande massa de crianças e jovens brasileiros cujos talentos são identificados em clubes, programas sociais, como Segundo Tempo/Mais Educação, Segundo Tempo/Forças no Esporte e Programa Esporte e Lazer da Cidade, e no programa Atleta na Escola, que tem a missão de promover a iniciação esportiva. Os programas poderão ser desenvolvidos nos Centros de Iniciação ao Esporte (CIE)", é o que prometem.

O Sistema Nacional de Esporte e Lazer, que foi projetado a partir dos debates da I e II Conferências Nacionais do Esporte, em 2004 e 2006, levava em conta a especificidade de cada uma das dimensões do esporte, o esporte educacional, esporte recreativo e o esporte de rendimento, procurando manter os canais de comunicação entre elas, de modo isonômico, sem hierarquia.

A concepção tradicional de pirâmide esportiva, que subordina toda e qualquer experiência com o esporte ao objetivo de ir peneirando talentos, a partir da base, até chegar a uma elite de atletas, naquele momento, havia sido afastada das discussões. Mas desde o Pan de 2007 e a candidatura Rio 2016, tudo mudou.

Num destes debates que tenho participado sobre o tema, mais especificamente, num simpósio realizado em Guanambi-BA, ouvi de um professor: "Chegou bola? Na minha escola primeiro!". O tom era de ironia e brincadeira, mas sua fala não deixa de dizer que num cenário de precarização, o que vier é lucro.

O perigo está no poder simbólico e estrutura que os Jogos Olímpicos, a Gymnasiade, os JEBs e todo conjunto de políticas e programas governamentais levam para dentro da escola. Produz-se um tipo de atração que acaba por formatar a educação física e o esporte naquele ambiente segundo os códigos e normas da instituição esportiva.

Para terminar, reproduzo o alerta dos colegas Valter Bracht e Felipe Quintão de Almeida:

"A luta contra os possíveis abusos de poder do sistema esportivo, na atualidade, passa pelo compromisso de manter, na agenda da área, a necessidade de se construir uma “forma escolar” para o esporte no Brasil. A alardeada década esportiva em nosso País (...) recoloca esse debate no centro das atenções. Não se pode descartar que a década esportiva em curso resulte, mais uma vez, na transformação da Educação Física Escolar em treino desportivo, reeditando, assim, a malfadada “forma escolar” do esporte que transformou, nos anos 1970, a Educação Física em base da pirâmide esportiva. Considerando essa possibilidade, o compromisso (político) da área é continuar advogando que a referência para a prática do esporte, na escola, não deve ser o sistema esportivo formal ou o esporte espetáculo, mas a própria escola."

Trata-se de um extrato do texto Esporte, escola e a tensão que os megaeventos esportivos trazem para a Educação Física Escolar, publicado por eles na revista Em aberto, do INEP, em um número especial sobre as implicações dos megaeventos para a educação física escolar, organizado por Elenor Kunz e José Tarcísio Grunennvaldt, o qual vale a leitura. 

Aldo Rebelo, Gymnasiade 2013, Jogos Rio 2016... 
passarão.
A escola passarinho!

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Rumo a 2016


Este é um post de divulgação que escrevo para compartilhar a recente publicação de um artigo do qual sou co-autor, juntamente com Pedro Athayde, Wagner Matias e Natália Miranda.

Trata-se do resultado de uma pesquisa desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-graduação em Educação Física da UnB pela qual buscamos mapear os temas e termos do debate que envolveu a candidatura carioca a sede dos Jogos Olímpicos, além identificar as tendências da política esportiva brasileira e discutir a relação público-privado no contexto de organização dos Jogos, apontando os desafios para a agenda de pesquisas sobre megaeventos esportivos.

A pesquisa foi construída a partir de um levantamento documental combinando fontes institucionais e mídia impressa: Ministério do Esporte, COI, COB, Dossiê de Candidatura e jornal Folha de S. Paulo. Já o tratamento e a interpretação dos dados, informações e registros foram organizados à luz dos temas mais frequentes, quais sejam: política esportiva, Jogos Pan-Americanos de 2007, Rio cidade candidata, Projeto Rio 2016, financiamento.

O que ficou claro para nós é que o projeto Rio 2016 está articulado com o projeto mais geral de desenvolvimento nacional. Isto quer dizer que o modelo econômico em curso e a política externa de reposicionamento do país na geopolítica mundial constituem aspectos fundantes da candidatura olímpica carioca.

Neste contexto de "desenvolvimentismo" não é de se estranhar uma política esportiva cujo objetivo passa pela projeção do país à condição de potência olímpica, revitalizando, assim, os discursos de massificação do esporte por meio da escola. E para posicionar o país entre os dez mais no ranking olímpico, programas e ações governamentais de esporte escolar estão sendo combinados a uma estratégia de diversificação dos investimentos em direção a esportes com maior distribuição de medalhas, outra tendência anunciada.

Sobre os investimentos e financiamento, embora predominem a crítica e as denúncias envolvendo a gestão do esporte olímpico brasileiro, foi o Estado que avalizou a iniciativa do COB, responsabilizando-se pela maior parte dos custos de organização dos Jogos. No entanto, ainda que o financiamento seja público, quem vai lucrar com sua realização não é a população em geral, isto é certo.

Por isso os estudos e pesquisas sobre os interesses que perpassam os Jogos Rio 2016 são necessários. Em tempos de megaeventos, será preciso um grande esforço da comunidade acadêmica no sentido da compreensão e problematização dos projetos hegemônicos que se articulam a partir do esporte e, também, para o esporte.

Outros temas que orientaram a discussão sistematizada pelo artigo, embora recorrentes nos documentos, não foram devidamente aprofundados, mas também merecem nossa atenção, quais sejam:

- O cenário de concorrência interurbana fazendo da cidade uma espécie de empresa que concorre no mercado com outras cidades empresa; 

- A opinião pública favorável à realização dos Jogos, o que reflete o investimento simbólico para legitimação do projeto;

- A história do Movimento Olímpico contada sob a lógica do entretenimento, com destaque para os heróis e seus feitos, os fatos marcantes e curiosidades;

- O delicado tema da segurança pública, o que envolve a ação militar e as políticas focalizadas voltadas à pacificação das favelas e manejo social do risco imposto ao projeto;

- Os enormes investimentos em infraestrutura realizados, com seus impactos para o planejamento territorial urbano e favorecimento às grandes empreiteiras;

- As medidas de exceção para garantia do poder monopolista exercido pelo COI sobre os negócios envolvendo a marcas produtos e imagem dos Jogos;

- O incremento do turismo e a construção da imagem do Rio como cidade global, boa para viver, visitar e, principalmente, consumir.

Como o tempo da produção e do periodismo científicos não conseguem acompanhar, sob o ponto de vista da história, o movimento mais imediato do real, a publicação dos resultados desta pesquisa encontra seus interlocutores já em atraso, considerando o momento em que nos encontramos de preparação do país para a realização dos Jogos.

De todo modo, para a definição de nossa agenda interna, a agenda de pesquisas do Avante-UnB, esta primeira aproximação à temática dos megaeventos foi fundamental para os estudos que atualmente desenvolvemos e que logo terão seus resultados igualmente divulgados.

O artigo na íntegra, com o título O AGENDAMENTO DOS JOGOS RIO 2016: TEMAS E TERMOS PARA DEBATE, pode ser acessado na revista Pensar a Prática.

Espero que se interessem e que a discussão nele contida possa se fazer relevante para o debate.

Boa leitura!

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Dias de luta


Bem sabemos, como ensina o mestre Paulo Freire, que ser educador e não lutar é uma contradição.

E este último dia 15 de outubro, Dia do Professor, mais uma vez confirmou que educação pública e gratuita com qualidade social não se conquista de outra forma senão através da mobilização. Professor, sobrenome: luta. Foi com esta identidade que milhares saíram às ruas em várias cidades do país.

Trabalhadores em educação em greve das redes estadual e municipal no Rio de Janeiro, da rede municipal em Goiânia e das redes estaduais em Mato Grosso e no Pará protagonizaram grandes manifestações, contando ainda com o apoio e solidariedade em atos e manifestações também organizados em Brasília, Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, João Pessoa, Porto Alegre, Recife, Salvador, São Luís e São Paulo.

Na cidade do Rio de Janeiro, mesmo sob repressão e violência policial, milhares de pessoas saíram às ruas em apoio a greve dos professores.

Em Brasília, acampados desde 30 de agosto, os professores conseguiram pautar a audiência pública realizada pela Comissão de Educação, Cultura e Esporte - CE sobre o novo Plano Nacional de Educação - PNE.

Dia do Professor, de norte a sul, foi Dia Nacional de Luta pela Educação. Tivemos mais uma demostração de que as jornadas de junho prosseguem.

As grandes manifestações, conforme avalia o geógrafo e urbanista Carlos Vainer, abriram uma nova conjuntura de luta e reconfiguraram de maneira expressiva a correlação de forças, abrindo novas e grandes possibilidades de avanços e conquistas para os movimentos populares e lutas sociais.

E se tivemos pouco a comemorar neste Dia Nacional de Luta pela Educação, no que toca ao esporte, obtivemos uma conquista importante. Foi sancionado o projeto de lei que trazia embutido em si a chamada emenda do esporte. De agora em diante, entidades esportivas que receberem verba federal terão de estatuir regras de democracia, participação e transparência.

Como disse o craque Raí, foi o povo nas ruas que criou o clima para aprovar o limite para a reeleição dos cartolas.

Seguindo o exemplo da Associação dos Atletas pelo Brasil, organizados em torno do Bom Senso F. C., mais de 800 jogadores construiram um Dossiê do Futebol Brasileiro, documento que sustenta cinco de suas revindicações: 30 dias de férias, período de pré-temporada adequado, máximo de 7 jogos a cada período de 30 dias, democratização dos conselhos técnicos das competições e entidades e fair play financeiro com os atletas.

Desde a democracia corintiana não assistíamos um movimento organizado e de natureza participativa por parte dos jogadores de futebol.

Outras conquistas relativas ao esporte dizem respeito à organização da Copa e Jogos Olímpicos.

Emparedado pelas manifestações, ainda em agosto, o governador Sérgio Cabral cancelou as demolições no complexo Maracanã, anunciando a permanência do Parque Aquático Julio Delamare, do Estádio de Atletismo Célio de Barros e da Escola Friedenreich, bem como da Aldeia Maracanã.

Logo depois foi a vez do prefeito Eduardo Paes que, além de firmar uma série de compromissos com o Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro, suspendeu a remoção da comunidade da Vila Autódromo.

Mas nem tudo são flores no mundo esportivo... A partir do momento em que os grandes eventos passaram a constituir o princípio organizador da agenda para o setor, o esporte deixou de ser um fim. Perdeu espaço nas políticas públicas como prática educativa e passou a ser meio, tratado prioritariamente como espetáculo e visto como catalisador de obras e investimentos, um emulador de desenvolvimento econômico.

Se por um lado o esporte constitui uma prática das mais privilegiadas para fruição e exercício dos sentidos e das emoções, favorável à criação, ao engajamento corporal, ao prazer do movimento, ao exercício da confiança, ao desafio do pensamento, aos cuidados com a saúde, enfim, à satisfação de acesso e apropriação da cultura, por outro, na sua forma espetacularizada, conforme explica o geógrafo britânico David Harvey, foi transformado numa espécie de commoditie, um tipo especial de mercadoria cultural que possui cotação e negociabilidade global.

Assim, num cenário em que a Copa do Mundo de Futebol - isto é, a Copa da FIFA - e os Jogos Olímpicos - ou seja, os Jogos do COI - se associaram ao projeto (neo)desenvolvimentista de Lula e Dilma, houve um deslocamento dos espaços de decisão política afetas ao esporte, com a interdição dos poucos espaços de participação e controle democrático existentes no setor.

A I e II Conferências Nacionais do Esporte, realizadas em 2004 e 2006, sequer haviam discutido a proposta de sediamento dos grandes eventos. Ela foi construída de cima para baixo. Já a III Conferência, em 2010, não cumpriu um papel mais do que protocolar, legitimando a ambição do governo de tornar o Brasil uma potência olímpica. Feito isto, tchau tchau Conferências. Previstas para ocorrer a cada dois anos, parece que não voltarão a acontecer tão cedo.

O Conselho Nacional do Esporte, colegiado de deliberação, normatização e assessoramento do Ministério do Esporte, desde que o ministro Aldo Rebelo assumiu a pasta, reuniu-se apenas duas vezes, a última delas, hoje pela manhã. Nesta 26ª reunião ordinária do CNE, em pauta, como não poderia deixar de ser, os planos ministeriais envolvendo a Copa de 2014 e os Jogos Rio 2016.

Para a organização dos grandes eventos, foram criados os comitês de gestão da Copa e Jogos - CGCOPA e CGOLIMPÍADAS, descentralizados em relação as esferas e setores de governo, mas absolutamente centralizados em relação a participação popular.

Isto para dizer que as decisões envolvendo o esporte nacional e a organização dos grandes eventos foram transferidas para o topo do Estado. As verdadeiras negociações têm se dado entre os grupos de pressão - empresas de telecomunicações, indústria esportiva internacional, grandes empreiteiras, rede hoteleira, setor de turismo - e o alto escalão de governo.

Este processo se desenrola também fora das instituições estatais, sendo mediado por fundações, grupos de planejamento político ou grupo de especialistas que propõem ou sugerem as tomadas de decisão, a exemplo das assessorias e consultorias internacionais detentoras de know-how e expertise em grandes eventos.

Enfim, a maneira como estão conduzindo a organização da Copa de 2014 e os Jogos de 2016 tem um sentido anti-social, atacando direitos e negando a possibilidade de participação popular nas decisões sobre a destinação dos recursos e definição de prioridades.

Não por acaso, o tema dos gastos com a Copa figuraram nas manifestações de junho.

De lá para cá, conquistas foram obtidas, mas há de se aproveitar a conjuntura atual para avançar nas lutas, é o que estão ensinando os trabalhadores em educação, atletas e movimento dos atingidos pelos grandes eventos.

Impõe-se cobrar os compromissos publicamente assumidos pela presidente Dilma por mais cidadania e mais participação. Isto também vale para o ministro Aldo Rebelo que, por enquanto, não tem dado ouvidos às ruas. Para ele, o que interessa é que o Brasil garantiu uma boa Copa das Confederações e as manifestações não passaram de um teste para a segurança.

Eu vi as estatísticas sobre essas manifestações e as preocupações com a Copa ocupam de 2% a 3% dos interesses dos pesquisados. A maior preocupação é com saúde, educação, segurança entre outros itens. (...) Pode parecer uma contradição ou paradoxo, mas achamos que [o resultado na área de segurança] foi positivo porque tivemos a Copa das Confederações submetida a um momento de grandes manifestações no país inteiro, nas via de acessos a estádios, nos aeroportos, na rede hoteleira. Mesmo assim, não houve prejuízo aos torcedores e às delegações nos deslocamentos”, disse.

Para 2014 está em aberto o futuro da luta e das manifestações, mas tenho para mim que a presidente Dilma e seu ministro terão mesmo de contar com a área de segurança para conseguirem ver a abertura da Copa no Itaquerão. O mesmo vale dizer para Sérgio Cabral e Eduardo Paes caso resolvam ir ao Maracanã.  

Em defesa da Educação, 
em defesa do Esporte como prática educativa e cidadã,
em defesa da Democracia, 
a Luta continua!

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Agora vai!




O improvável aconteceu. Primeiro foi a Câmara, na semana passada, e, nesta última terça-feira - 17/9,  foi a vez do Senado. Aprovaram regras que impõem democratização, participação e transparência às entidades esportivas. 

Agora está nas mãos da Dilma. O projeto de lei de conversão PLV 22/2013, oriundo da medida provisória MP 620/2013, seguiu para sanção presidencial.

Apelidada como "MP do Minha Casa Melhor", quando entrou em tramitação na Câmara, a MP 620 recebeu várias emendas, dentre as quais, a chamada "emenda do esporte".

Tal medida, vigorando desde de junho, autorizou a capitalização da Caixa Econômica Federal para abertura de crédito voltado à compra de móveis e eletrodomésticos pelos beneficiários do Minha Casa Minha Vida. Além disso, a MP tratava também do prazo para que os impostos comecem a ser informados nas notas fiscais e do Vale-Cultura.

Já como PLV, outras mudanças foram embutidas na MP, com destaque para as regras de certificação de filantropia a comunidades terapêuticas, entidades de educação e entidades de assistência social.

No que se refere ao esporte, a MP 620 altera a Lei Pelé, com a inclusão de um novo artigo que estabelece uma série de condicionalidades para o repasse a entidades esportivas de recursos da administração pública federal direta e indireta. 

Na prática, a principal mudança é que as entidades esportivas - de prática e de administração - que receberem verba federal, e são quase todas, não poderão eleger um mesmo dirigente por mais de dois mandatos seguidos, com duração de quatro anos cada um. 

Estabelece ainda a garantia estatutária de participação de atletas nos colegiados de direção e na eleição para os cargos das entidades e garante transparência na gestão financeira, dando visibilidade inclusive aos contratos com patrocinadores e de direitos de imagem, até então, uma caixa-preta das entidades esportivas.

Há de se registrar que o protagonismo de atletas e ex-atletas que se organizaram através da associação Atletas pela Cidadania. A entidade é presidida por Ana Moser e reúne gente como Mauro Silva, Cafu, Raí, Lars Grael, Hortência, Magic Paula, Fernando Meligeni, Guga, Gustavo Borges, Joaquim Cruz, dentre outros. 

Na onda das Jornadas de Junho, que questionaram também os gastos com a Copa, a partir do Manifesto dos Atletas por Legado Social e Esportivo de Megaeventos, a associação subiu o tom:

"Felizmente, o país hoje clama por mudanças. A agenda pública deve se balizar pelo que seu povo decide e não só pelo que seus governantes acreditam que sejam as prioridades (...) Nós, Atletas pela Cidadania, somos contra a destinação de recursos públicos para benesse de alguns, as remoções que violam os direitos humanos, a corrupção e a falta de transparência nas decisões e nas contas (...) Repetimos: há mais de dois anos apresentamos uma agenda positiva ao país, com dois pontos centrais para o Legado Esportivo e Social da Copa e das Olimpíadas: o Esporte acessível a todos os brasileiros e a urgente revisão do Sistema Esportivo Nacional. As diretrizes são claras. Limitar o mandato de dirigentes esportivos, definir os papéis e integrar os entes federativos, abrir à participação democrática de atletas, qualificar educadores e profissionais esportivos permanentemente, ampliar a infraestrutura esportiva pública."

Concordo com Raí, foi o povo nas ruas que criou o clima para aprovar o limite para a reeleição dos cartolas. Aproveitando, ele e Ana Moser foram à TV, pautaram as diretrizes do manifesto na mídia e, desde então, junto aos seus colegas, valendo-se do prestígio e visibilidade que possuem, propuseram e pressionaram o Congresso pela aprovação da emenda.

Para quem não acreditava, o Juca Kfouri anunciou: Golaço, pontaço, cesta de três pontos ou marcas históricas no Senado. Escolha! Em sua análise, houve reação do COB e Confederações, mas três mulheres, a própria presidenta, a ministra Ideli Salvatti e a senadora Ana Rita - PT-ES, que relatou o PLV, juntas, articularam apoio à aprovação da Medida.  

Tudo indica que a medida, na forma de lei, vai ser sancionada. E se não receberem veto da presidenta, as novas regras entrarão em vigor em seis meses.

No ano passado, o ministro Aldo Rebelo já havia defendido a limitação de mandatos nas entidades esportivas, disse que isso poderia ser feito por regulamentação do próprio Ministério do Esporte, mas não levou a mudança adiante. Desta vez, mesmo diante da movimentação dos atletas e ex-atletas, manteve-se em silêncio. 

Nuzman, que planejava um sexto mandato, tendo confidenciado a outros cartolas seu desejo de se recandidatar mais uma vez para presidência do COB em 2016, ainda não se pronunciou. 

Outros dirigentes saíram atirando:

"É de estranhar que os atletas que tanto falam em democratizar as confederações usem uma carona (a MP) para regular isso. Não fomos chamados para opinar. O tempo ideal de mandato na entidade é de 12 a 16 anos”, criticou Alaor Azevedo, presidente da Confederação Brasileira de Tênis de Mesa - CBTM.

O argumento do "Cavalo de Troia" foi o mesmo da CBF. O fato é que a "emenda do esporte" foi embutida em várias MPs. O lobby da CBF e conseguiu derrubar a emenda na aprovação da MP 615/2013, mas não conseguiram barrá-la na tramitação da MP 620/2013 e, como salvaguarda, a proposta estava emendada também na MP 621/2012.  

Por fim a CBF se resignou. Como o texto da emenda é dúbio em relação à entidade e havia outro projeto de lei mais explícito em relação a ela em tramitação no Senado, o PLS 253/2012, resolveram entregar os anéis para não perder os dedos.

Mas para o advogado que assessorou os Atletas pela Cidadania e deu redação a "emenda do esporte", as mudanças também apanham a CBF. Embora não receba verbas públicos, a entidade é isenta de tributos incidentes sobre a receita. Assim, caso ela não se adapte às condicionalidades da nova lei, perderá a isenção fiscal da qual atualmente se beneficia.

Pode ser que alguém diga que comemorar e apoiar tal mudança é coisa de juridicialista e reformista. Eu comemoro e apoio. Considero que as regras de democratização, participação e transparência impostas às entidades esportivas pela nova lei, caso se confirme sua sanção, representam um avanço institucional importante para o mundo do esporte.

Sei que não basta só estatuir novas regras, mas num ambiemte onde ainda prevalece a antidemocracia, esta é uma condição necessária.

O que hoje é praticamente impossível, o surgimento e organização de oposições à cartolagem mumificada no poder, passará a ser possível. Isto pode provocar mudanças no status quo autoritário do setor. Além disso, no médio prazo, legalidade, moralidade, publicidade e eficiência podem se tornar também princípios da organização esportiva nacional. Enfim, quem viver verá. Estamos diante da possibilidade de mudanças que não são pouca coisa. 

Pela democracia, participação e transparência nas entidades esportivas!
Sanciona, Dilma!